Cassiano, mestre do soul brasileiro, sai de cena sob injusto ostracismo | Estado de Minas

Cantor e compositor paraibano morre aos 77 anos sem que o público reconheça nele o autor dos clássicos românticos ‘Primavera’, ‘Coleção’ e ‘A lua e eu’

Não, “Primavera” e “Eu amo você”, que embalaram várias gerações de apaixonados, não são canções de Tim Maia. Ambas fazem parte do valioso repertório do compositor paraibano Cassiano, que morreu nesta sexta-feira (7/5), aos 77 anos, no Rio de Janeiro.

 

Desde abril, ele estava internado no Hospital Estadual Carlos Chagas, em Marechal Hermes, na Zona Oeste carioca, depois de sofrer parada cardíaca. A causa da morte não foi informada pela Secretaria de Estado da Saúde do Rio de Janeiro, mas a sobrinha dele, Verônica, afirmou que foi mesmo o coração que matou o tio.

Houve muita especulação de que o artista seria mais uma vítima da COVID-19.

Autor de antigos clássicos da música romântica que até hoje estão na boca do povo, Cassiano é um dos pais do soul brasileiro, influenciando de Tim Maia – que o revelou nacionalmente – ao rapper Mano Brown, do Racionais, que tentou, mas não conseguiu, gravar com ele, vítima de cruel ostracismo.

“Cassiano, o imenso Cassiano, partiu do plano físico e se mudou de vez para dentro do nosso coração. A indústria fonográfica não te merecia mestre. Que os anjos possam ser uma plateia a sua altura”, postou o rapper Emicida no Instagram.

“O homem vai, o legado fica. Ao mestre com carinho”, despediu-se Mano Brown no Instagram. “Esquecido por muitos mas nunca por nóis! (sic). Por aqui seguimos tentando aprender fazer o que você fazia com maestria”, afirmou o rapper do Racionais

Bossa Nova

Nascido em Campina Grande, interior da Paraíba, Genival Cassiano dos Santos se mudou para o Rio de Janeiro nos anos 1960. Gostava de João Gilberto, formou um trio de bossa-nova e, em 1969, ao lado do irmão, Camarão, e de Hyldon, criou Os Diagonais.

Esta banda histórica da música negra brasileira exibiu seu vigoroso estilo funkeado “verde-amarelo” nos discos “Os Diagonais” (1969) e Cada um na sua” (1971).

Precursor da vigorosa onda black Rio nascida nas periferias cariocas, Cassiano bebeu em boas fontes: Lupicínio Rodrigues, Otis Redding, Stevie Wonder e, claro, rhythm and blues. Guitarrista e violonista de mão cheia, foi o rei do estilo vocal batizado como Brazilian Soul.

De volta dos Estados Unidos, Tim Maia gravou e estourou, em 1970, com “Primavera (Vai chuva)” e “Eu amo você”, parcerias do paraibano com Silvio Rochael. Na onda do “fenômeno Tim Maia”, Cassiano gravou seu primeiro disco solo, “Imagem e som”, em 1971, sem muita repercussão.

Posteriormente, o LP seria reconhecido pela talentosa e inusitada combinação do suingue brasileiro do samba e da bossa-nova com soul e funk (o tradicional, americano, não a vertente carioca que hoje bomba no mundo inteiro).

Em 1973, saiu o LP “Apresentamos nosso Cassiano”. Mas só em 1975 o Brasil ficou conhecendo o soul man de Campina Grande, autor das românticas “A lua e eu” e “Coleção”, parcerias com Paulo Zdanowski.

Essas duas obras-primas se destacaram nas trilhas das novelas “O grito” e “Locomotivas”, da TV Globo. Em 1976, Cassiano lançou “Cuban soul”, outro disco aclamado pela crítica.

Problema no pulmão

No fim da década de 70, o artista enfrentou dois impasses que afetaram drasticamente sua carreira: o difícil relacionamento com as gravadoras (a CBS chegou a boicotar seu quarto disco solo), que o tachavam de “difícil” e “não comercial”, e um grave problema respiratório.

Cassiano perdeu um dos pulmões. Só em 1991 o artista lançou seu último disco solo, “Cedo ou tarde”, com participação de Marisa Monte, Sandra de Sá, Ed Motta, Luiz Melodia, Djavan e Claudio Zoli – todos fãs dele.

Em 1998, Cassiano e Hyldon, nomes de ponta do soul verde-amarelo nos anos 70, comentaram o ostracismo que amargavam por imposição da indústria fonográfica, em entrevista a Pedro Alexandre Sanches, publicada pela “Folha de S. Paulo”.

“Antes, um artista novo entrava numa companhia e tinha respaldo de três discos. Se não acertasse em um, tinha chance de fazer outro, porque os caras viam que tinha talento”, contou o paraibano, lamentando que o mercado passara a apostar apenas em sucessos instantâneos.

“Sabe como sou mestre (do soul)? Tenho fitas com músicas inéditas que dão para encher um elevador. Sempre que a mídia precisa lançar uma Ivete Sangalo, eu sou o mestre, o papa. Quando ganham a grana que queriam, o mestre pode ficar na rua, não tem mãe, não come”, desabafou.

Além de Tim Maia, composições de Cassiano foram gravadas pela própria Ivete Sangalo, Gilberto Gil, Marisa Monte, Djavan e Alcione, entre outros.

Fonte: Estado de Minas