Entrevista: A música da alma de Hyldon (Esquina Musical)

Nem sempre o primeiro a sentir os versos tem o devido reconhecimento. Isso porque na música é habitual confundir quem canta como o dono da letra. Na maioria das vezes pela capacidade do intérprete, que além de alçar a canção ao sucesso a incorpora e reinventa. Casos parecidos com o de “Vapor Barato”, de Wally Salomão e Jards Macalé, imortalizada por Gal Costa, e mesmo “Vida Louca Vida”, de Lobão e Bernardo Vilhena, no registro histórico de Cazuza, assemelham-se ao do compositor Hyldon. É ele o autor das frases marcantes de “Na rua, na chuva, na fazenda”, gravada pelo Kid Abelha, e “As Dores do Mundo”, relançada pelo Jota Quest. E é ele quem lança disco novo, onde toca, compõe e interpreta, intitulado “Romances Urbanos”.

Com discografia que reúne agora quatorze títulos, entre autorais e participações, Hyldon sempre teve como princípio a soul music, e é um dos responsáveis pela difusão do estilo na música brasileira. Como ele mesmo diz, “tudo começou com Little Richard, acho que o ano era 1958, e a música era ‘Tutti Frutti’, um rock pauleira!”, afirma. Daí por diante seus ouvidos encontraram a obra de Ray Charles, em especial a canção “I can´t stop loving you”, e do grupo vocal The Platters, estourado na época com diversos hits, a exemplo da clássica “Only You” e a não menos famosa “My Prayer”. Esses foram alguns dos símbolos que tocaram o menino de sete anos. Era só o começo de uma paixão e uma carreira que não mais se separariam. Mais estava por vir.

MÚSICA DA ALMA
No novo trabalho “Romances Urbanos”, o soul está lá, intacto, embora sem recusar puros ares. Para Hyldon a tradução literal do inglês para o português da expressão é a que melhor define a sua relação com o gênero. “O nome já diz tudo, música que vem da alma. É como rezar, uma comunhão com Deus e a natureza”, analisa. Num total de 12 faixas, o músico distribui parcerias sem diluir a força de sua obra, e abre espaço para compor com Zeca Baleiro, Arnaldo Antunes, Sérgio Natureza, Jorge Vercillo, Mano Brown, Dexter, Jorge Aílton, Andréia Santiago, Hanna Guerra, Céu, Arnaldo Amorim, Leo Cavalcanti, Giulia Costa e Pedro Luís. Não há sequer uma canção no disco em que o artista prefira a solidão a encontrar amigos.

“Cada parceiro tem uma química diferente e estou aprimorando a arte de dividir para multiplicar. Mas o mais importante é a amizade, o respeito e a generosidade em mão dupla”, considera. O cantor aproveita a influência do rap na vida cotidiana dos brasileiros para tecer loas ao trabalho de Dexter e Mano Brown. “Graças ao rap tem muita garotada se interessando por ler, escrever. Isso é muito bom, pois só através da cultura podemos alcançar um entendimento melhor do mundo em que vivemos”, indica. E não param por aí os elogios. “O rap é como jazz. É música universal. Quando um músico brasileiro toca jazz ele toca diferente de um americano”, opina para ressaltar a identidade do estilo em território tupiniquim.

ENCONTROS
Não há dúvida que um dos encontros que mais emocionaram o intérprete no novo disco foi o que teve com o líder dos Racionais MC´S. “Mano Brown é um cara muito musical, não é só rap. Eu sou fã dos Racionais desde que eles começaram. E essa parceria só engrandece a minha música”. E estende os laços afetivos para a importância social do que pregam. “Mas não é só fazer música. Fiz o ‘Sarau do Capão Redondo’, favela onde nasceu o grupo Racionais, cantei com o Brown em show aqui no Rio de Janeiro”. Sem esquecer do outro vértice importante desse triângulo, Hyldon prepara a honrosa menção. “E também tem o Dexter na parceria, outro representante do rap nacional que tem um trabalho social muito intenso”, relembra.

Os dois, inclusive, chegaram a se apresentar juntos num presídio em Guarulhos, interior de São Paulo. “A música foi só um complemento da nossa amizade”, acentua. Nesse sentido, a ligação com a cultura Hip Hop também não se deu por acaso. “É um fenômeno mundial que agrega poesia, dança, grafite, skate e esporte”, enaltece Hyldon, todas maneiras de expressão com as quais o cantor se identifica. Mas o principal ponto de equilíbrio da sua vida é mesmo com o mais puro e simples. Como influências do recente disco ele cita “tudo o que ouvi desde que me entendo por gente, principalmente dos passarinhos, soltos, livres, a natureza em geral, o mar, as plantas, são minhas principais fontes de inspiração”.

ROMÂNTICO POR NATUREZA
Mas há outra criação divina que mexe com Hyldon e proporciona aos ouvidos atentos as mais belas e sentimentais canções. Antes de encerrar o assunto ele faz questão de ressaltar: “Incluindo as mulheres, é claro, sou um romântico por natureza”. Remando contra a maré de alguns colegas que não poupam críticas ao programa “The Voice”, da Rede Globo”, Hyldon o considera “muito bom, porque o brasileiro é um povo musical que anda carente de boa música na televisão e no rádio”. Sobre a permanência no coração e na mente dos brasileiros das canções que se fazem hoje , ele prefere a cautela. “Só daqui a quarenta anos vamos saber o tempo de cada música”. O que serve de gancho para voltar ao passado e relembrar as amizades com Tim Maia e Wilson Simonal.

“Tenho muita história legal com eles. Estou escrevendo uma autobiografia contando principalmente os fatos artísticos e engraçados”. Além de tocar com os dois músicos, e de inclusive compor com Tim Maia, Hyldon também é parceiro de Caetano Veloso, na música “Primeira Pessoa do Singular”, e tem história com outro nome importante da soul music nacional. “Outro dia mesmo participei do projeto ‘Mestres do Soul’, com o Tony Tornado. Toquei guitarra na banda dele antes de gravar meu primeiro disco, demos muita risada lembrando algumas histórias”, rememora. Ainda no currículo do artista a produção de álbuns de Jerry Adriani, Erasmo Carlos, Odair José e participação na lendária banda “Os Diagonais”, com Cassiano, outro mito da soul music brasileira.

SAUDADE
Cheio de idéias na cabeça, inclusive para outros discos, Hyldon se segura e declara que apesar dos desejos o “momento agora é de divulgar esse álbum, o ‘Romances Urbanos’”. Mas nada impede que daqui algum tempo tenhamos um novo exemplar do artista no formato de voz e violão. Em janeiro começarão os ensaios para os shows, e ele enfim poderá matar a “saudade de tocar com os meninos da banda, que são os mesmos que gravaram o disco”. E Hyldon faz questão de ressaltar que este disco trata-se, sobretudo, de um trabalho de equipe. “A música para mim é um conjunto de coisas, até a mixagem é importante. Para esse disco ter o padrão de qualidade que tem, foi muito importante a participação de todos: músicos, técnicos, o pessoal que fez a capa, o fotógrafo e o Ricardo Garcia que masterizou. A voz é só mais um detalhe, mas dá um trabalho danado”. O deleite é ouvir.

por Raphael Vidigal – Leia mais