Kid Abelha em DVD de 30 anos – Jamari França- O Globo

Kid Abelha em DVD de 30 anos

Jamari França
Uma panorâmica sobre o mundo pop rock
jamarifranca@terra.com.br

Estava viajando quando saiu o DVD Kid Abelha 30 Anos. Como sou comprometido com a Geração 80 só agora falo e procuro, como sempre, fazer um diferencial, no caso um aprofundamento no áudio com uma entrevista do produtor Nilo Romero. Busquei também a palavra do trio, mas uma entrevista que mandei ficou sem resposta, uma ofensa a este velho homem de imprensa que os acompanha desde os primeiros shows no Circo Voador.

Vi o DVD atento à performance/repertório, visual e áudio. Vamos lá.

É um grande presente do Kid para os fãs com um repertório generoso de 23 músicas de todas as fases da carreira, com ênfase no primeiro disco, Seu Espião, de 1984, com ótima receptividade de um público jovem. Paula Toller hoje é uma boa cantora, usa muito bem sua voz pequena, com boas nuances de interpretação, segura e mais linda aos 50 do que há 30 anos. E letrista de pérolas pop com George Israel, uma parceria que nasceu da necessidade de suprir a falta de Leoni, que saiu em fevereiro de 1986, como ela conta nos extras.

Amparados por uma banda de alta octanagem, os três, em grande parte fixos no centro do palco, comandam a grande festa e congraçamento de gerações gravada em 28 de abril no Citibank Hall, do Rio. Atravessar 30 anos de carreira não é fácil para ninguém com os inevitáveis altos e baixos, mas eles nunca tiveram um período tão difícil como a recuperação pós Leoni quando recorreram a um Ao Vivo para ganhar tempo. A retomada começou com Tomate, graças aos sucessos o Meio Da Rua e Amanhã É 23, este no DVD.

Ta meio release até agora, né?

Vamos às críticas. A concepção visual do show é bonita, com telões e projeções, mas a banda de apoio foi escondida em estrados altos à esquerda e à direita do trio e não tem destaque algum nas tomadas. Aparecem mais o tecladista Ge Fonseca, que faz vocais, e o baterista Adal Fonseca, que senta a porrada, mas ficou sem destaque na mixagem. O baixista Marcelo Granja aparece duas vezes por três segundos e teve seu instrumento praticamente limado na mixagem 5.1, embora brilhe em 2.0. O guitarrista Fernando Aranha só aparece na hora da apresentação dos músicos por Paula. Os metais Jefferson Victor (trompete) e Marlon Sette (trombone) tiveram o privilégio de ficar no palco ao lado de George.

No mais, as imagens dirigidas por Jodele Larcher exploram bem a platéia e o trio, com destaque, claro, para Paula com tomadas em que suas pernas competem com o rosto. Ela deixou até uma rápida visão de cinco segundos de sua calcinha preta, parte do apelo sensual comum no rock e usado por ela na medida certa, nem tanto, nem tão pouco, por conta de dois vestidos não muito curtos e dos shorts que mostram um pouquinho mais das belas pernas.

Em algumas partes, Jodele é atingido pela editite, com cortes rápidos demais, geralmente nas canções mais rápidas e descansa na Paula e nos dois em outros momentos. Aproveita também as oito câmeras para pegar detalhes como os scarpins de Paula, um deles de oncinha.

E a música, porra? Tá bom!

O formato instrumental do Kid repousa em guitarra e sax alto, os dois se revezam nos solos. Bruno Fortunato sabe dosar bem a calibragem rock a ser colocada no som pop do Kid e conta no show com Fernando Aranha no violão e guitarra, um reforço nas levadas e apoio na hora dos solos. George convocou dois timbres para reforçar seu sax, trompete e trombone, dando uma contribuição mais encorpada às canções. Paula faz sua parte e passa a bola aos companheiros.

Como disse, o primeiro disco foi privilegiado com seis músicas, incluindo o grande final com Pintura Intima, versão remix, reforçada pela bateria Surdo Um, da Mangueira, regida por Ivo Meirelles, presidente da escola. Esta foi festa total com Paula solta pelo palco, o que deveria ter feito mais vezes porque a galera das laterais sempre se empolga quando o artista se aproxima. Nada Tanto Assim antecipou o comportamento fragmentado da geração internet dos anos 00 com os versos “eu tenho pressa e tanta coisa me interessa/ Mas nada tanto assim.” E ainda Alice (Não Me Escreva Aquela Carta de Amor), Como Eu Quero, Seu Espião e Fixação, todas com grande participação da platéia.

O Acústico MTV, de 2002, foi um fenômeno de vendas nos cinco anos de ausência do Ki, muitas vezes competindo com lançamentos mais recentes e contribuiu para alavancar a retomada, iniciada ano passada com a turnê Glitter de Principiante.A banda manteve a levada de Lágrimas e Chuva do acústico na versão eletrificada, e também incluiu Na Rua, Na Chuva Na Fazenda, do soul brother Hyldon, gravada no CD Meu Mundo Gira Em Torno de Você (1995), mas impulsionada mesmo no Acústico.

Quando vi o DVD em 5.1 estranhei a ausência do baixo e o baixo volume da bateria. A mixagem é convencional, com platéia no surround, Bruno no lado esquerdo, George no direito, ambos indo também pro meio na hora dos solos e Paula o centro. E não foi incluída o DTS 5.1 que tem mais potência que o Dolby 5.1. Nilo explicou que só ia incluir um dos formatos, daí optou-se pelo Dolby, porque nem todos os aparelhos de DVD lêem o DTS. Muita gente não se liga nisso, mas é determinante pro som e influencia a apreciação do ouvinte. Uma boa mixagem com tudo batendo nos ouvidos aumenta o impacto.

Procurei o produtor do áudio do DVD, Nilo Romero para melhor me informar. Ele me mostrou a mixagem que saiu do estúdio e me disse que a redução (encodagem) necessária para o áudio caber no DVD é imensa. Em suas palavras, o que ouvimos é um MP3 do original, isso por conta da tecnologia não permitir que o som real seja reproduzido no DVD.

No caso de correções de voz, quando há uma falha, como aconteceu, é preciso refazer tudo em estúdio por uma causa técnica, não por causa da Paula, que se saiu bem. Se emendasse só um pedaço esse trecho não teria a ambiência que vaza pelo microfone dela, especialmente de público e bateria, daí ficaria estranho.

O Nilo no final fala de seu currículo com o Kid, mas ele também foi peça vital na carreira solo de Cazuza como músico, produtor e parceiro.

Como foi a gravação, que equipamento, quantos canais foram usados. Você poderia falar em geral sobre a captação, se os instrumentos do George Israel foram todos captados num canal só ou em canais separados, se houve vazamentos que te deram trabalho etc

O show foi gravado em 60 canais. Usamos uma mesa Midas com 48 inputs, mais dois preamps Avalon e dez preamps Api. As vozes da Paula e do George foram gravadas tanto na Midas quanto nos Avalon. Isto porque tanto na Midas quanto nos Apis a gravação é feita sem compressão. Assim sendo usamos os Avalon como um backup da voz, gravado com compressão caso os canais da Midas sofressem distorção.
Os instrumentos do George (Violão, sax e bandolim) foram todos gravados em canais independentes, assim como todos os teclados, guitarras e violões do Aranha.

As guitarras do Bruno foram gravadas de três formas simultâneas, todas separadas; 1- microfone na boca do falante do amplificador; 2- som de linha direto do simulador, ou seja, passando pelos efeitos, mas não pelo amplificador; 3- som limpo direto da guitarra, sem passar por nada.
Isto nos deu bastante mobilidade na hora de mixar, já que em determinadas circunstâncias pudemos mudar o timbre da guitarra sem mexer na performance.

O vazamento que deu trabalho foi o da bateria na voz, mas já sabia que isto iria acontecer, por mais que tenhamos usado o clearsonic (acrílico). O Adal bate forte e a voz da Paula, como a maioria das vozes femininas, não tem tanta emissão. Optamos por usar um Shure Beta 58, hipercardioide, ao invés do Neumann KMS 105, que tem mais qualidade, mas vaza muito mais por ser condensador.

O maior desafio foi microfonar a bateria da Mangueira, já que seria impossível colocar um microfone sem fio para cada um. Também foi desafiador fazer com que eles se ouvissem, ouvissem o retorno da banda e vice-versa, porque também seria impossível ter um sistema de in ear sem fio para cada um deles. E como eles vão entrando aos poucos, também não poderiam usar sistemas com fio. Acabou que colocamos microfones em cada umas das peças principais (dois surdos, uma caixa e um repique) e distribuímos microfones direcionais na área aonde eles ficaram e alguns monitores, que tiveram que ser postos no palco pouco antes da entrada deles. Tivemos um ensaio para ver se daria certo e fomos para o baile. Do primeiro dia de gravação para o segundo fizemos alguns ajustes e acabou dando certo.

Quantos canais de voz foram usados. Quem da banda faz backing vocals?

Foram usados quatro canais de voz : Paula, George, Gê Fonseca (teclados) e Fernando Aranha (guitarra), todos eles Shure Beta 58, todos com fio, com exceção do da Paula.

Como você colocou os três na mixagem 5.1?

No canal do centro coloco apenas a voz e muito, mas muito pouco mesmo dos instrumentos para evitar que usem a voz da Paula, em um Karaokê ao contrário. Além disso, só os vazamentos no microfone da voz. A guitarra do Bruno está mais à esquerda de quem está assistindo, que é onde ele se encontra no palco, assim como George (sax, violões) mais para a direita. E tanto as guitarras (Bruno e Aranha) como teclados e naipe estão nos lados, e não somente nos canais da direita e da esquerda. Eles saem nas caixas traseiras também, porém com menos volume. A idéia é fazer com que o espectador se sinta envolvido, como se estivesse no show, já que este não é o caso de um show experimental, onde seria legal colocar instrumentos tocando atrás.

Por que no DVD não foi incluído áudio DTS?

Sempre prefiro DTS. Este processo é feito na masterização e não na mix. A mesma mix serve para os dois sistemas. Os sistemas Dolby e DTS são diferentes formas de encodamento para que os arquivos provenientes da mix, que são enormes, caibam em um DVD. O DTS é mais pesado e, por isso, tem mais qualidade. Esta não foi uma decisão só minha. Apenas disse que se fosse para ter apenas um só sistema, que fosse o Dolby, pois nem todo aparelho lê DTS. Mas esta é a eterna “briga” entre o vídeo e o áudio. O diretor geral, que é sempre o de video, prefere ter mais qualidade na imagem em detrimento do som. Ainda mais neste DVD que tem 23 faixas + extras.

Como você utilizou os canais de surround?

Acho que já respondi acima. De qualquer maneira a idéia é ter a sensação do show. Sendo assim, a voz vai no canal do meio e nos canais da frente e os instrumentos vão no L,R da frente e um pouco nos de trás, dando uma pouco a impressão de estarem “do lado”. Mas nos canais traseiros predominam mesmo os canais de ambiente, que foram 8 (4 pares). Estes distribuídos pelas 4 caixas, mas com ênfase nas de trás.

Que efeitos você usou na voz da Paula? Usou auto tune?

Colocamos um reverb e um delay na voz da Paula. Procuramos não usar o Melodyne por causa dos vazamentos. Quando você afina a voz, desafina o resto que está vazando na voz. Fica bem esquisito.

Foi necessária alguma gravação adicional em estúdio?

Pouca coisa. Como disse antes, as guitarras foram gravadas de formas distintas, o que nos deu bastante opção, sem que precisássemos regravar. Também tivemos dois dias de gravação. Então uma coisa ou outra que não ficou boa no dia, pudemos pegar da gravação do dia anterior ou de alguma parte repetida da música. Nos solos de guitarra e do sax também pudemos afinar uma coisa ou outra, já que não existia vazamento. A prioridade sempre foi manter o que foi gravado.

O som de bateria não tem muita presença na mixagem 5.1, ela fica meio para trás. Isso é pelo conceito de pop? Muitas músicas são dançantes, uma bateria mais presente não reforçaria este aspecto?

A mix 5.1 tem mais ambiente do que a 2.0. Talvez por isso esteja dando essa sensação. Fizemos uma primeira mix com menos ambiente. Ficou mais power, mas não estava dando a sensação de show. Então optamos por ter mais ambiente.

Dá uma resumida no teu trabalho com o Kid, quanto tempo como músico e produtor e desde quando você não trabalhava com eles.

Comecei a trabalhar com o Kid em 1987. A primeira música que gravei com eles foi Amanhã É 23. Morava com o George e apareceu a oportunidade de gravar a música no dia 25 de dezembro, dia de Natal, então eu fui. Depois acabei gravando o disco todo, Tomate, produzido pelo Liminha e Paulo Junqueiro. Depois toquei e produzi os Álbuns Kid (89), Tudo É Permitido (91) e o Iê Iê Iê (93). Nesta época também toquei com eles ao vivo. Tive a oportunidade de acompanhar o amadurecimento da nova dupla (George/Paula) de compositores. Chegaram longe !