A poética singela de Hyldon (Portal Terra)

Em uma conversa descontraída, realizada por telefone, do Rio de Janeiro, onde mora desde o final dos anos 1960, o cantor e compositor baiano Hyldon falou à reportagem de CULTURA!Brasileiros sobre os bastidores de As Coisas Simples da Vida, seu novo álbum, lançado pela gravadora Deck Disc. Aos 65 anos de idade, quase 50 de carreira, bom de papo, ele também relembrou episódios de uma carreira artística ligada à memória afetiva de milhões de brasileiros desde 1975, quando lançou Na Rua, Na Chuva, Na Fazenda…, seu primeiro trabalho autoral, de grande sucesso.
 
Afeito à poesia das coisas singelas, como sugere o título do novo trabalho, sem abrir mão da força rítmica que o consagrou, Hyldon presenteia os fãs com uma seleção de dez novas composições que dão continuidade ao repertório de qualidade expresso em trabalhos como seu álbum de estreia, Deus, a Natureza e a Música (1976), Nossa História de Amor (1977) e Sabor de Amor (1981). Sobre este último, relembra o que considera um golpe sujo da gravadora Continental. Minucioso com suas composições e arranjos, Hyldon também enaltece o trabalho de seus músicos e revela que contou com o “auxílio luxuosíssimo” de Chico Buarque para lapidar as letras de As Coisas Simples da Vida.
 
A seguir, divididos em blocos temáticos, os melhores momentos de quase duas horas de troca de ideias prazerosas com esse artista que, ao lado dos amigos Cassiano e Tim Maia, definiu os estatutos da soul music à brasileira.
 

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O cantor e compositor Hyldon, que acaba de lançar o álbum As Coisas Simples da Vida. Foto: Daryan Dornelles

 
SERTANEJO
Comecei a tocar tambor nas aulas de música do jardim da infância. No ginásio, em Niterói, ensinava a molecadinha, porque eu tinha grande noção de ritmo. Fiquei em Salvador até os 7 anos, quando minha mãe (Hildonete, daí o nome do músico) se estabilizou no Rio e mandou me buscar, mas sempre mantive a cultura do interior no que faço. Essa coisa sertaneja, da Banda de Pífanos de Caruaru, do Luiz Gonzaga, das músicas de festas, do bumba meu boi, do reinado, do congado, do frevo, das festas de São João, dos músicos de feira. Na Sombra de Uma Árvore, por exemplo, é uma espécie de baião com toada. Minha música sempre vai para esses lugares da minha infância.
 
CARIOCA
Com 13 anos, montei uma bandinha de rock chamada Os Abelhas. Quando cheguei aos 16, minha família voltou para a Bahia e fiquei na casa do meu primo, Pedrinho, que era guitarrista do The Fevers. Com ele, passei a frequentar as gravadoras até que um dia substituí um guitarrista que faltou em uma sessão de estúdio dos Fevers e passei a ser o regra três dos caras. Eles trabalhavam muito. Acompanhavam Simonal, Jorge Ben, Wanderléa. Pouco depois comecei a fazer minhas composições. Ainda era menor de idade quando gravei minha primeira música (Eu me Enganei, interpretada por Roberto Livi), que chegou a entrar em uma coletânea com as 14 mais tocadas no rádio e rendeu um bom dinheiro. Em 1970, conheci o Cassiano, e pouco depois o Tim me chamou para tocar no seu segundo disco, de 1971. Até o começo dos anos 1980, gravei em quase todos os discos dele. Nesse segundo fizemos uma primeira parceria, I Don’t Know What to Do with Myself. Esse disco foi gravado em uma mesa de quatro canais e tem coisas, como Não Quero Dinheiro, que você ouve o arranjo e pensa: “Não é possível, isso foi feito em 50 canais”.
 
SHOW DO PÚBLICO
Fiz vários shows para comemorar os 40 anos de Na Rua, Na Chuva, na Fazenda. O disco tem seis ou sete músicas que todo mundo conhece e as apresentações foram lindas. Tem um amigo meu, o escritor Toninho Vaz, que certa vez disse: ‘O melhor do seu show é o show do público’. Como sei disso, uso e abuso dos fãs e tocamos de um jeito que todo mundo pode curtir ao máximo. Os músicos têm espaço para fazer seus solos e, como minhas músicas têm muitos vocais melódicos, os meninos que tocam comigo fazem sempre uma cama para o público cantar.
 
LIBERDADE
As grandes gravadoras ficaram muito defasadas, não acompanham a velocidade das coisas. Já era para elas estarem vendendo pen-drives. Estou muito satisfeito com a Deck. Fiz um disco pela Continental, Sabor de Amor (1981), que foi gravado com o Azymuth, e pouco depois pedi rescisão de contrato. Como pedi as fitas de volta, com raiva, apagaram toda a gravação do disco. Hoje, tecnicamente, é possível extrair o áudio a partir de um LP e melhorar a qualidade, mas isso demonstra a mentalidade das grandes gravadoras.
 
FAST MUSIC
Comecei a formatar o disco na minha cabeça e quis fazer algo com músicas bonitas do começo ao fim, uma coisa que parece estar acabando, né? A maioria das composições de hoje não tem introdução, não tem solo. Tudo acontece muito rápido. Antigamente, a música podia durar quatro minutos que tocava em rádio, numa boa. Hoje em dia, quando muito chega a dois. A pessoa ouve, não dá muita atenção e passa para a próxima. Ouve no carro, no pen-drive, no celular, mas nesse esquema fast music, tudo é muito rápido e descartável.
 
Por Marcelo Pinheiro
Fonte: Brasileiros – Portal Terra
Link: http://brasileiros.com.br/2016/12/poetica-singela-de-hyldon/