Hyldon: por amor às coisas simples da vida (Diário Online)

Dizem que o melhor da vida encontra-se nas coisas mais simples. A música de Hyldon e o próprio artista são provas disso. Autor de grandes sucessos, como a mítica canção “Na Rua, Na Chuva, Na Fazenda”, de 1975, o artista, nascido na Bahia em 1951 e criado no Rio de Janeiro desde os sete anos de idade, coloca em sua poesia as forças da natureza aliadas a sua fonte de romantismo inesgotável.
 
Prestes a completar os 50 anos de carreira, Hyldon veio a Belém no último domingo, como destaque do Festival Black Soul Samba, iniciativa de produtores locais para promover a música negra. E Hyldon foi considerado um dos pilares da soul music brasileira, embora prefira definir sua música como “contemporânea”.
 
Soul music ou contemporâneo, a verdade é que o baiano-carioca já possui lugar garantido no hall da música brasileira. Com álbuns como “Na Rua, na Chuva, na Fazenda” (1975), “Deus, a Natureza e a Música” (1976), “Nossa História de Amor” (1977) e “Sabor de Amor (1981)”, Hyldon criou laços e trabalhou com grandes nomes, como Cassiano, Tim Maia e Chico Buarque, que deu grande contribuição ao novo disco do cantor, “As Coisas Simples da Vida”, lançado este mês, com dez novas composições.
 
Sempre apaixonado, Hyldon é daquelas pessoas “boas de conversa”, com várias histórias para contar. Em um papo descontraído, falou de seu novo álbum (Ouça abaixo), de suas composições, sua ligação com o sertão baiano, de Tim Maia, Chico e até de lendas da Amazônia.
 
Em terras amazônicas
Rapaz, aqui é cheio de lendas, hoje eu ouvi aquela da velha que vem buscar tabaco na casa da pessoa, a Matinta Pereira. Achei um barato, mas parei de fumar, então da minha casa ela não ia levar nada (risos). Também acho que vi ontem uma coisa de cabeça vermelha passar com os pés para trás ali perto, depois me disseram que era o tal do curupira.
 
Bahia ou Rio
Eu sou baiano, nascido em Salvador em 1951. Minha música fala muito sobre a natureza, e devo muito disso ao interior da Bahia. Peguei muito da cultura nordestina e carrego muito comigo essa conexão. Fui parar no Rio de Janeiro numa história muito louca. Quando eu tinha seis meses, minha mãe (Hildonete, daí o nome do artista) foi para o Rio atrás do meu pai. Eu não pude viajar com ela e acabei ficando com minha avó em Senhor do Bonfim, fronteira com Pernambuco. Acabei sendo criado lá, e depois de algum tempo minha mãe mandou passagens de avião, que naquela época era bem difícil, para minha avó me levar até ela. Chegando ao Rio, minha avó se arrependeu, não queria me devolver e acabou fugindo comigo de volta para o sertão de navio. Esse navio passou por várias turbulências, o mar estava muito agitado e acabamos perdendo a rota. Fomos parar quase próximo à costa da África. Foram dez dias de viagem, gente morreu e tudo mais, foi quase um Titanic. Mas o destino me queria no Rio de Janeiro mesmo. Voltei quando tinha sete anos, minha avó decidiu me levar definitivamente para morar com ela no Rio. Sou baiano-carioca.
 

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(Foto: Júlio Douhay/Divulgação )

 
Soul man
(Silêncio…)
Apesar de esse negócio de terem me rotulado de “música soul”, eu não vejo assim. Acho que faço uma música contemporânea, nem digo MPB, porque eu tenho influência não apenas de música nacional, mas de tudo que ouvi desde pequeno, muito rock´n roll, muito Beatles, galera da Jovem Guarda, tudo que tocava no rádio. Comecei me inspirando em tudo isso, e não apenas no soul. Isso veio depois, mas minha música tem diversos elementos.
 
Autodidata
Comecei a fazer música de forma muito natural, tocando tambor, aos três anos de idade, no Jardim de Infância da escola. Eu tinha tanto ritmo que tocava com os garotos maiores do ensino fundamental. Aos sete anos aprendi a tocar violão e não parei mais. Com treze, já tinha uma banda de baile, chamada Os Abelhas. Esse período pelos bailes foi uma escola muito boa, época em que tocávamos quatro horas direto, samba, Roberto Carlos, Beatles e Rolling Stones, naquela época bombando com “Satisfaction”.
 
Composições
Eu sou muito romântico. Comecei a compor por causa dos Beatles. Ouvi o disco de 1965 e fiz uma versão para uma das músicas. Depois comecei a fazer músicas com inspirações românticas. A primeira música que fez sucesso, fiz porque estava apaixonado por uma menina e queria conquistá-la. Lembro que compus em uma barca indo para o Rio de Janeiro, chamava-se “Eu me Enganei”. Essa música entrou nas 14 mais tocadas do rádio e eu ganhei um bom dinheiro. Acabou que depois comprei um carro para ver outra menina por quem eu estava apaixonado em Juiz de Fora.
 
Transformação nas letras
Inspirado por uma fase meio Jovem Guarda, eu estava fazendo muita música “bobinha” no início. Até que um dia eu li um livro que mudou minha vida, chamado “Cartas para um Jovem Poeta”, do Rainer Maria Rilke. Neste livro ele explica que a poesia é a expressão do seu interior, das coisas que você sente. Esse livro me transformou, e a partir dali passei a escrever diferente.Nas minhas letras eu procuro contar minha vida como no cinema. Eu trabalho muito com visual nas minhas canções. Às vezes eu nem sei como vem, dá aquela catarse e a música sai. Antigamente, o que tivesse feito primeiro ficava, era sagrado, eu não alterava nada. Hoje eu gosto de trabalhar mais as letras. Se precisar, mudo cem vezes.
 
“As Coisas Simples da Vida”
Trabalhei exaustivamente neste disco novo. Nesse trabalho, assim como “Na Rua, Na Chuva, Na Fazenda”, eu falo muito do ciclo da natureza e de amor. Essa minha mudança de postura em relação a trabalhar mais as letras é influência de meu amigo Chico Buarque. Ele tem toda a paciência, é muito minucioso com cada letra, fica tirando e botando palavra, uma delicadeza. Eu compunha e ligava para ele, enviava as letras, e discutíamos sobre o melhor caminho.
 
Indústria musical
Antigamente, para gravar um disco, o processo era muito caro. Tinha que ter um estúdio, gravar as fitas, enfim, só podia fazer por gravadora. Com a evolução, você pode gravar através de infinitos canais, isso facilitou ao ponto de que todo mundo hoje tem CD. Vejo o positivo e o negativo disso, pois hoje em dia não tem filtro, tem muita quantidade, mas pouca qualidade.
 
Tim Maia
Quando conheci o Tim, me tornei logo amigo dele. Nos conhecemos no dia em que ele gravou com Elis Regina. Fui mostrar umas músicas para ele, e a conexão entre nós foi instantânea. Toda vez que nos encontrávamos fazíamos música. Até 1980, estive presente em todos os discos dele. Fiz “I Don’t Know What to Do with Myself”, fiz “A fim de Voltar”, do “Disco Club”. Éramos loucos e muitas vezes não gravávamos as músicas, fazíamos só pelo prazer. Mais de 50 músicas que fizemos se perderam. Tim tinha um carinho por mim muito grande, ele era nove anos mais velho, então era meu conselheiro. Saíamos muito juntos. Quando eu casei, em 1981, ele me convidava para ir na casa dele, e depois me trancava lá e não deixava eu sair.
 
Universo racional
Ele (Tim Maia) tentou me puxar para essa parada, na época eu morava em São Conrado, e íamos muito à praia na Barra. Eu comecei o livro, mas achei muita baboseira e parei na página 46. Ele ia lá sempre me chamar para praia e perguntava: “E aí Hyldon, e o livro, tá lendo?”, e eu respondia: “Tô lendo, sim”. E ele era chato, perguntava a página que eu estava, então eu respondia 46 e ele resmungava muito, dizendo que eu estava lendo muito devagar. Acabei ficando eternamente na página 46. Mas, mesmo quando ele fazia parte do Universo Racional, eu era aceito, ia aos shows dele, ele ia aos meus, dava canja, eu adorava cantar com ele.
 
Por Igor Reis
Fonte: Diário Online
Link: http://www.diarioonline.com.br/entretenimento/cultura/noticia-389189-.html