Hyldon

Ícone da soul music no Brasil

Perfil do Leitor Hyldon | Cândido Jornal da Biblioteca do Paraná

 
Um dos papas da soul music nacional, o músico baiano detalha todas as etapas de sua formação literária — uma lista que inclui poesia, quadrinhos, esoterismo, ficção científica, crônicas e clássicos brasileiros
 

Omar Godoy

Poucos artistas da MPB podem se orgulhar de ter recebido uma consultoria de Chico Buarque. É o caso do baiano Hyldon, que recorreu ao autor de “Cálice” (e seu colega de pelada) para tirar dúvidas sobre algumas conjugações verbais usadas em seu disco mais recente, As coisas simples da vida, lançado em novembro do ano passado. Mas ele garante: o “auxílio luxuoso” só aconteceu três ou quatro vezes, e não incluiu a correção do material — como algumas matérias publicadas na época deram a entender.

“Existe, em letra de música, a licença poética e a linguagem coloquial. Já pensou se você fosse corrigir as letras do Adoniram Barbosa?”, diz o artista de 66 anos, que mergulhou fundo nos livros de poesia durante o processo de composição do álbum, seu décimo de inéditas. Especialmente nas obras de Manoel de Barros e Ferreira Gullar. “Cada um tem seu estilo. O Manoel é de uma pureza infinda, quase infantil. Ele contrasta com o Gullar, totalmente seco e realista”, compara o autor de “Na rua, na chuva, na fazenda (casinha de sapê)”, “As dores do mundo” e “Na sombra de uma árvore”, entre outros clássicos da soul music nacional.

Outra leitura inspiradora foi Paixões — Amores e desamores que mudaram a História, da escritora e jornalista espanhola Rosa Montero. “Ganhei de presente de uma amiga esse livro, em que ela trata da loucura, da paixão e resgata histórias incríveis de casais como Cleópatra e Marco Antônio, Jonh Lennon e Yoko Ono, Evita e Juan Perón, etc.”, conta. Sua estante contemporânea ainda tem espaço para títulos de Cristovão Tezza, Ariano Suassuna, João Gilberto Noll, Rubem Braga e, claro, Chico Buarque.

Apesar de sempre estar em contato com a poesia (Manuel Bandeira, João Cabral de Melo Neto e Carlos Drummond e Andrade também estão entre seus favoritos de todos os tempos), Hyldon confessa que já teve inúmeras e variadas fases como leitor. Começando pelo gosto por gibis, visto com uma certa desconfiança por sua mãe. “Ela era contra, mas acho que estava errada. Muita gente começou pelo gibi, acho que estimula o gosto pela leitura”, diz.

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Os títulos exigidos pela escola vieram em seguida, sendo que um deles permanece guardado em sua memória afetiva: Helena, de Machado de Assis. “Foi um dos primeiros livros ‘de letrinhas’, sem gravuras, que eu li. E também um dos primeiros que realmente me emocionou. Principalmente o final da história”, lembra.

Nessa mesma época, envolveu-se com as picantes histórias da espiã francesa Giselle Monfort — personagem de folhetim criada pelo jornalista David Nasser no final dos anos 1940. Originalmente publicadas no jornal Diário da Noite, dos Diários Associados de Assis Chateaubriand, as tramas foram compiladas em volumes de bolso de grande sucesso comercial nos anos seguintes. “Esses livrinhos, vendidos no jornaleiro, me fizeram descobrir que a literatura mexia muito mais com a minha imaginação do que os gibis”, afirma.

Seu rol de “fases literárias” ainda inclui passeios pela ficção científica (ele cita Arthur C. Clarke e Isaac Asimov), a crônica brasileira (“Nelson Rodrigues é um dos meus ídolos”) e o esoterismo. Este último representado pelo popular e polêmico Lobsang Rampa, pseudônimo do britânico Cyril Henry Hoskin, que alegava hospedar em seu corpo um lama tibetano. “Era o Paulo Coelho da época. Eu lia toda noite A terceira visão [seu título mais conhecido], fazia os exercícios de respiração que ele ensinava. Mas não consegui levitar”, diverte-se.

O livro mais relido, no entanto, continua sendo Cartas a um jovem poeta, do checo Rainer Maria Rilke. Publicada em 1929, a obra é um apanhado de reflexões sobre Deus, o sexo, a solidão e a criação artística, entre outros temas universais. “Devo ter dado esse livro para mais de 50 pessoas, fora as recomendações. Foi um divisor de águas para mim. Com ele, aprendi a escrever com alma, com sentimento”, conta.

Mais de 40 anos depois de estrear em disco, Hyldon segue escrevendo dessa forma, agora em parceria com jovens cantoras da MPB como Ana Cañas (com quem dividiu o palco no Rock in Rio, no mês passado), Roberta Campos e Silvia Machado. A ideia, segundo ele, é que seu próximo álbum tenha “um olhar feminino, suave e sensível”. “E o resto é tocar minha guitarra, meu violão. Em casa e no palco, com os meninos que tocam comigo por amor à música, como eu.”

Fonte: Cândido – Jornal da Biblioteca pública do Paraná

   

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