Qinho lança seu primeiro disco solo com o aval de Dadi e Hyldon (Jornal do Brasil)

 

RIO DE JANEIRO – Desde que deixou os pilotis da universidade para trás, com o canudo de comunicação debaixo de um braço e o violão do outro, Marcus Coutinho, 25 anos, vulgo Qinho, dedicou-se integralmente à produção, gravação e composições para a banda Vulgo Qinho & Os Cara, firmada em parceria com o poeta Omar Salomão. De lá para cá foram mais de quatro anos em cima dos mais variados palcos da cidade, do Circo Voador ao Cinemateque, onde as noites dos caras ganhavam participações especiais de gente graúda, como Luiz Melodia, Jards Macalé, o soulman Hyldon e o eterno “leãozinho de Caetano”, o baixista Dadi. Apontado como uma das novas caras do Rio pela revista Domingo, do Jornal do Brasil, Qinho sobe ao palco do Cinemateque nesta quarta para entoar as canções de seu primeiro trabalho solo, Canduras.

– Hoje em dia o artista se torna produtor de si mesmo – afirma Qinho, que prepara um EP com o projeto paralelo Irmãos Brutos e que, em dezembro, realiza shows semanais a bordo da Cia. Velha, dedicada à releitura de hits de 1969. – E foi assim que a gente conseguiu tocar com tanta gente e vender mais de duas mil cópias do nosso primeiro trabalho. Mas chegou a hora de eu me dedicar às minhas composições, explorar minha criatividade em novos temas.

As 10 canções que recheiam Canduras e boa parte do repertório do show resultam de parcerias talhadas com uma nova safra de escritores, poetas e letristas, como os integrantes da banda Os Outros (Vitor Paiva e Botika); Miguel Jost, Ericson Pires, Rodrigo Gameiro (que também assina a direção do videoclipe para o single Mais de uma janela), além, é claro, do comparsa Omar Salomão. A noite, que terá a presença de Amora Pêra (Chicas) e Botika, serve ainda como batismo para algumas faixas recém-traçadas, como Maravilhosa beijoca, que recebeu remix do DJ alemão Ian Pooley, além de versões para Fazenda, de Nelson Ângelo, e Morena, de Gonzaguinha.

– Descobri Morena num disco do Gonzagão e mostrei para Amora, que é filha do Gonzaguinha… Ela não conhecia. A Amora incentivou muito este trabalho e o Botika praticamente me deu Mais de uma janela, que é um das mais pedidas.

Se à frente de sua ex-banda, o jovem trovador versava sob a influência concreta do ambiente e do comportamento frenético da urbe, agora navega por outros tons.

– Vou cantar pela primeira vez Vivo sonhando, do Tom. Os versos têm muito a ver comigo, “E eu a falar de estrelas / Mar amor e luar / Pobre de mim que só sei de amar” – cantarola, trocando o te por de.

Como indica o batismo de seu novo trabalho, Qinho soa mais doce, viajado, encantado pelas coisas simples da vida. Ao elaborar Canduras, referências imagéticas como ônibus, prédios, balas perdidas, entre outras peculiares à sua banda foram substituídas por um mergulho na subjetividade e nas relações humanas. No fim das contas, mantém intacto o espírito desbravador arraigado à vivência por entre ruas e vielas da cidade, como as do Morro do Galo, onde até há um tempo fazia explodir as caixas de som locais num programa de rádio dedicado à black music, com muito Fela Kuti, Donny Hathaway, entre outras gemas.

– Com a banda fiz as minhas primeiras canções e elas são mais cruas, diretas e críticas. Mas em vez de falar do que eu achava errado, resolvi cantar o que eu acredito. Passei a falar do que eu acho mais certo, que é o amor, o afeto, a delicadeza, coisas que eu sinto falta no mundo de hoje. São canções que me fizeram refletir e mostram como eu quero interagir com o mundo.

Compostas no velho esquema voz e violão e registradas em gravações caseiras feitas no computador, as novas canções ganharam admiradores através do MySpace antes de serem transportadas ao estúdio.

– Fiz tudo em casa e gravei naqueles microfones toscos de computador para colocar na rede. E o resultado ficou muito íntimo. Quis levar essa delicadeza para o estúdio.

Chegando lá, Qinho contou com o acompanhamento de outros músicos, em arranjos intimistas pontuados por instrumentos de sopro como clarinete e trompete, além de baixo acústico e uma percussão minimalista. No palco, ele empunha violão e uma guitarra semiacústica para deitar sua voz macia num repertório próprio que ecoa influências de linhagem nobre. A maior parte delas listadas no set que o moço comanda no início da noite, quando ataca com Caras e bocas (Gal Costa), Agora (Dóris Monteiro), Refavela (Gilberto Gil), Mico de circo (Luiz Melodia), Coisas (Moacir Santos), além de uma série de referências como D’Angelo, Duke Ellington e John Coltrane, além de Marvin Gaye, entre tantas outras da bossa nova à tropicália, do soul ao funk setentista.

– Refavela e O canto jovem de Luiz Gonzaga foram referências centrais para o Canduras.

“Um disco à moda antiga”

Organizador da mostra de cinema Rock and Totem, dedicada à exibição de pérolas do documentário musical, o surfista e empresário da moda Fred D’Orey é um entusiasta do talento de Qinho. Apoiador de Canduras, Fred define o trabalho solo do cantor como “meditativo, gostoso, um disco à moda antiga. Feito para colocar na vitrola, deitar num sofá, deixar o tempo parar e escutar”.

– Quando eu o conheci, ele era só um garoto que ia lá em casa fazer uns saraus. Fazia versões muito particulares de artistas que eu admirava. Ele sempre ouviu muita música brasileira, enquanto eu cresci ao som do que rolava lá fora. E ele pegava uma canção do Van Morrison e fazia aquilo soar como uma espécie de mantra, com um viés de samba – recorda D’Orey.

Já Dadi destaca o timbre vocal do músico. Diz que Canduras traz “leveza, frescor, um suingue essencialmente carioca, uma sonoridade das antigas, que me faz lembrar Jorge Ben, a pegada soul do Hyldon…”

Citado por Dadi, Hyldon não deixa a bola cair e emenda:

– É um dos maiores talentos dessa nova geração. Tem atitude dentro e fora do palco. Sou frequentador do Baixo Leblon há anos, mas só cantei a primeira vez ali por causa deles, que montavam a banda no meio da rua para tocar.

Por: Luiz Felipe Reis
Fonte: Jornal JB Online – Edição 37