A mulher que matou a ternurinha

Prestes a lançar seu novo DVD, Wanderléa fala sobre a dificuldade de romper com o estilo que adotou no começo de sua carreira.

Foi em 1971, voltando de visita a Caetano Veloso e Gilberto Gil em exílio londrino, que Wanderléa entendeu que Ternurinha deveria morrer para que ela pudesse seguir adiante na música. A cantora havia trazido na bagagem um frevo inédito de Caetano, Chuva, Suor e Cerveja, e estava decidida a gravá-lo. Era algo completamente diferente do que estava acostumada.

Quando apresentou a ideia à gravadora, a mesma CBS que lançara seus trabalhos até ali, a reação não foi favorável.

– As pessoas queriam me enquadrar no passado. Pela regra deles, eu teria que ser o clone de mim mesma, o cover de alguém que eu já não era mais – lembra.

O jeito era romper de vez com o passado – a começar pela gravadora. Com produção de Nelson Motta e arranjo de César Camargo Mariano, o compacto de Chuva, Suor e Cerveja foi a estreia de Wanderléa na Polydor, selo popular da Philips. Trazia Pula Pula (Salto de Sapato), de Jards Macalé e Capinam, no lado B.

O passo seguinte foi mais radical. Wanderléa… Maravilhosa (1972), o primeiro LP da nova fase, apresentava a cantora bem diferente da “musa da jovem guarda’’, vestindo uma impactante peruca black power. Loura.

No show, Wanderléa entrava com cabelo desgrenhado, cantando Vida Maneira, de Hyldon: “Quero ter uma vida maneira, mas não levo jeito de prisioneira (…) Que bom que você descobrisse que tudo evoluiu’’.

– A garotada do Píer, que fumava muito, ia me ver e achava que eu estava muito doida. Foi um sucesso entre esse público, mas o pessoal da jovem guarda não me seguiu – conta.

Os discos seguintes saíram sem nenhuma aposta das gravadoras. O primeiro foi Feito Gente (1975), cuja canção-título era criação do “maldito’’ Walter Franco. Vieram, na sequência, Vamos que Eu Já Vou e Mais que a Paixão, produzidos por Egberto Gismonti, então marido de Wanderléa.

Incompreendida, ela virou bicho-grilo.

Tanto experimentalismo logo cobraria seu preço. O grande público foi ficando cada vez mais raro nos anos seguintes. A partir dos anos 1980, os discos de Wanderléa foram rareando. As gravadoras não queriam dela nenhum trabalho que não remetesse à jovem guarda, à Ternurinha. Avessa à ideia de refazer o que já estava feito, entrou em autoexílio. Ficou sem gravar comercialmente por 16 anos.

– Minha autoestima estava no pé. Fui morar no mato, virei bicho-grilo. Sobrevivi porque construímos um estúdio no quintal e passávamos, eu e meu marido (Lalo Califórnia), compondo e gravando músicas pra nós mesmos. Foi minha terapia – conta.

O CD Nova Estação (2008), tanto quanto seu respectivo DVD ao vivo, a ser lançado em agosto, é fruto desse processo de afirmação e negação.

– A Ternurinha teve seu tempo de ser maravilhosa, revolucionária. Minha personalidade aflorou por causa dela. Mas agora só penso nas músicas que ainda tenho pra conhecer – diz.

Wanderléa está pedindo repertório inédito, de compositores iniciantes e de seus velhos amigos, para o próximo trabalho. Algumas, diz, já estão na caixa de entrada de seu e-mail.

 

Fonte: Diário Catarinense