Há 40 anos, o soulman Hyldon começou a pavimentar carreira solo com a edição de compacto com a canção Na rua, na chuva, na fazenda (Hyldon), música de 1973 que se tornaria o carro-chefe de seu repertório, a ponto de batizar, dois anos depois, o primeiro álbum solo do cantor e compositor baiano. Após breve fase de sucesso popular, Hyldon – assim como todos os artistas brasileiros que fazem som enraizado na black music – se deparou com obstáculos na indústria fonográfica para trilhar o caminho do soul, gênero de prestígio mais alto do que as vendagens dos discos. Aliado à insensibilidade de diretores da indústria do disco em relação ao som black, o temperamento forte do artista contribuiu para que ele logo fosse jogado à margem do mercado. Hyldon então ficou para sempre associado aos sucessos dos anos 70. Há cinco anos, o cantor tentou se reposicionar no mercado com a edição de Soul brasileiro (2008), álbum prejudicado pela irregularidade da safra de inéditas. Faltou a Soul brasileiro o ânimo detectado em Romances urbanos, disco lançado pela Sony Music neste mês de novembro de 2013 em formato exclusivamente digital. Ao abrir parcerias com nomes de diversas tribos e gerações (Arnaldo Antunes, Céu, Dexter, Jorge Vercillo, Leo Cavalcanti, Mano Brown, Pedro Luís e Zeca Baleiro, entre outros), Hyldon revigora sua produção autoral e apresenta disco relevante. Um álbum voltado para baladas românticas de tom urbano, ainda que tenha faixas animadas como Festa do Síndico (Hyldon e Andreia Santiago) – tema em que Hyldon e o convidado Serjão Loroza celebram Tim Maia (1942 – 1998) com a reprodução fiel do suingue metaleiro típico da obra do Síndico, cantor e compositor carioca que soube dar sotaque nacional à soul music norte-americana – e Foi no baile black (Hyldon, Mano Brown e Dexter), faixa que evoca a herança do movimento Black Rio que explodiu no Rio de Janeiro em meados dos anos 70. Romances urbanos trilha agradáveis caminhos melódicos em canções como No fim da estrada tem uma cidade (Hyldon e Zeca Baleiro), a derramada Lua nova (Hyldon e Sérgio Natureza), a iluminada Meu sol (Hyldon e Jorge Vercillo), Revanche (Hydon e Jorge Ailton) – a balada mais impregnada do espírito do soul – e O velho e novo amor (Hyldon e Hanna Guerra), faixa gravada com a voz de Roberta Spindel e o clarinete de Rui Alvim. Capitaneada pelo próprio Hyldon, a produção não economizou na arregimentação de músicos convidados. Parceria de Hyldon com Arnaldo Antunes e Céu, O tombo cai para o lado nordestino, conduzida pelo acordeom de Marcelo Jeneci em gravação feita com a guitarra de Kassin (uma segunda parceria de Hyldon com Arnaldo, Tempo, tempinho, tempão, reitera a inspiração da safra de baladas). Já Pista perigosa (Hyldon e Leo Cavalcanti) se joga em levadas mais contemporâneas, com toques de rock. No fim do disco, Romance casual (Hyldon e Pedro Luís) repõe Hyldon no baile, sob o suingue dos metais orquestrados por Marlon Sette. Enfim, desde a década de 70, Hyldon não lançava um disco tão interessante, coeso e cheio de frescor.
Mauro Ferreira