Zeca Baleiro registra show caprichado e eclético em DVD
Bate-papo com Frejat, Hyldon e Wado traz curiosidades do processo de criação
O maranhense Zeca Baleiro já lembrou que o coração do homem-bomba faz tum-tum até fazer bum. Gravou um álbum antológico com o cantor do coração alado, Raimundo Fagner, e voltou a cantar sístoles e diástoles em seu primeiro CD de inéditas em quatro anos, O disco do ano (2012). O show carioca para lançar esse trabalho – batizado Calma aí, coração – deu origem a DVD e álbum ao vivo. Eles vêm reafirmar a habilidade de Baleiro de criar canções marcantes, com um pé no rádio e o outro na melhor tradição da MPB, berço de letras bem construídas, melodia que se pode assoviar e ideias para apreciar e discutir.
Onze dos 14 temas são de própria lavra – seis com parceiros de estilos tão variados quanto Roberto Frejat (Nada além, lembrando os bons tempos do Barão Vermelho), a japonesa Kana (na quase surfista O amor viajou), a poeta Alice Ruiz (Quase nada), o alternativo cult Wado (Zás), o veterano soulman Hyldon (Calma, coração) e a irmã, Lúcia Santos (Último post, a partir de poemas guardados no baú).
“Sempre fui um tanto promíscuo. Em artes, isso é muito bom, produtivo e animador”, afirma Zeca. O registro do show, com roteiro bem articulado e performances convincentes do cantor e da banda, tem visual clássico, bom cenário e imagens digitais ao fundo, além de som equilibrado e figurino caprichado: camisa e paletó xadrez, colete vermelho e gravata combinando.
Os extras do DVD são tão interessantes quanto o show. Diálogos com os parceiros Frejat, Hyldon, Kana, Lúcia e Wado revelam detalhes das composições e matam curiosidades sobre o processo de criação. “O público sempre se interessa sobre como as canções são feitas. Como há cinco parceiros, achei que cabia um bate-papo descontraído sobre o nascimento delas”, diz Baleiro. “O caso mais curioso foi a parceria com Kana, porque as onomatopeias que ela mandou, fazendo a melodia, eram japonesas, com muitos erres. Tive que buscar um caminho cheio de erres também”, explica.
Desafio Não menos interessantes são os três clipes que completam os extras. Tattoo, feito apenas com a letra da canção, foi criado pelo cearense Igres Leandro a partir de um desafio de Zeca lançado no Facebook, provocando os fãs a apresentarem suas armas audiovisuais.
A porção moderna e o lado nostálgico do compositor surgem em dois clipes. Enquanto Meu amigo Enock trata de um amor surgido e enterrado nas redes sociais, Calma aí, coração é romântico. O clipe oferece uma leitura que não é explícita na letra. Zeca aparece como um velhinho, tentando seduzir uma das colegas de asilo. “Isso foi loucura do diretor Fred Ouro Preto. Em algum momento, manifestei a vontade de atuar como um velho. Quando ele ouviu a música, imaginou o asilo, um caso entre pessoas bem maduras. Aí topei. Os figurantes são hóspedes de uma casa de repouso. Soou verdadeiro, embora a intenção fosse mais fazer graça. A música não se refere a isso, foi loucura de cineasta”, diverte-se.
Férias na Copa
Com vários projetos paralelos na cabeça – CDs infantil e de sambas, trilha sonora de um filme, o novo disco da Vanusa e um álbum com Naná Vasconcelos e Paulinho Lepetit –, o mais workaholic baleiro da MPB talvez consiga tirar as férias que tem adiado há tempos. A culpa é da Copa, que ele não pretende testemunhar, apesar de gostar muito de futebol.
“Assisti a dois jogos da Copa das Confederações – Brasil e Itália, na Bahia, e Brasil e Espanha, no Rio de Janeiro. Foi uma experiência mágica, meus filhos adoraram. Não sinto a mesma excitação agora, não sei se tem a ver com o clima anticopa, a tensão política que está no ar. Não me empolguei, penso até em sair do país, tirar umas férias. O Brasil é um dos fortes candidatos ao título. Torço também pelos africanos e orientais. Não gosto daquele joguinho de pebolim da Espanha e não quero que eles vençam, pois será o triunfo do esquematismo sobre o ímpeto”, diz.
Por falar em tensão política, o cronista Zeca Baleiro “fotografa” o atual momento, em que os 50 anos do golpe de 1964 e o cenário internacional rendem muita discussão. “Estamos num momento de transição. Ela não está muito clara, mas algo vem mudando no Brasil e no mundo. Com todas as suas mazelas, o Brasil ainda é o melhor país do mundo. Obviamente, estamos a alguns séculos de distância das nações com mais lastro histórico e solidez política. Acho que vamos chegar a um bom lugar. Isso leva tempo, é necessária toda uma educação”, pondera.
Zeca acompanha os passos dos presidentes de dois países no epicentro da política internacional: o russo Vladimir Putin e o venezuelano Nicolás Maduro. “Os russos, historicamente, têm o temperamento belicoso. Acho que Putin é o novo Anticristo e Maduro não parece tão maduro assim”, conclui.