Vídeos de artistas como Emicida e Criolo têm estética de filmes, com direito a prólogo, diálogos cortando a música e créditos no fim.
RIO – Parece cinema — noir, blaxploitation, favela movie, filme de ação americano dos anos 1970, estética mangue, “O grande dragão branco”. A leva atual de clipes de rap brasileiros — como os recém-lançados “Chama os mulekes”, da Conecrew Diretoria, “Zica, vai lá”, de Emicida, e o ainda em fase de finalização “That’s the way”, de Edi Rock — traz um diálogo intenso com o cinema, muitas vezes com citações a cenas de filmes, além de prólogo, diálogos cortando a música e créditos no fim.O namoro rap-cinema não é inédito. Os Beastie Boys já fizeram isso em vídeos como “Sabotage” e “Intergalactic”, da década de 1990. No Brasil, no início dos anos 2000, próximo ao rap, o Rappa fez “A minha alma” e “O que sobrou do céu”, dirigidos por Kátia Lund e precursores da estética de “Cidade de Deus”, do qual ela assina a codireção — aliás, tanto as produções do trio americano quanto o filme de Fernando Meirelles são citados como referência para os clipes de rap nacionais hoje. Mas o que chama a atenção agora é a quantidade de artistas buscando, no cinema, uma alternativa num terreno onde até pouco tempo os clipes seguiam uma linguagem fechada em si mesma.
— Sempre o cara andando na rua, com a mesma câmera — define Fred Ouro Preto, diretor de “Zica, vai lá” e “Então toma”, de Emicida. — Queria evitar isso.
“Então toma”, clipe do ano no VMB 2011, mergulha em referências do blaxploitation (movimento da década de 1970 que marcou uma estética negra para o cinema americano, quase sempre em filmes policiais). Já “Zica, vai lá” segue outro caminho.
— Emicida queria a participação de Neymar e algo com esporte — conta Ouro Preto. — Como gosto muito de luta, acabamos caindo aí. A base do roteiro do clipe vem de “O grande dragão branco”, a parte do treinamento de Emicida (o mestre é Neymar) vem de “Kill Bill”, o vilão tiramos de “Operação dragão”, de Bruce Lee, e as coreografias das lutas são inspiradas nos filmes de Jackie Chan.
Com produção de alto nível, comum aos clipes da safra, “Zica, vai lá” teve patrocínio da Redbull — prática cada vez mais comum que explica um tanto desse atual momento do clipe de rap no Brasil. Antes, a aproximação entre hip-hop e empresas era vista com resistência pelos artistas.
— Hoje melhorou, eles aprenderam com os erros do passado, quando não aceitavam se aproximar de uma marca — avalia Rabú Gonzales, diretor de “That’s the way”. — Um pioneiro nisso foi Marcelo D2, que foi muito criticado. Mas quem criticava consumia rappers de fora $faziam o mesmo.
Igualmente patrocinado, “Subirusdoistiozin”, de Criolo, também chamou a atenção por seu apuro influenciado pelo cinema brasileiro da última década (“Tem Fernando Meirelles com Beto Brant ali”, aponta Tom Stringhini, diretor do clipe).
— É ótimo que as empresas tenham notado que dá para se mostrar de uma forma não convencional. E o rap é a possibilidade de eles falarem com essa classe C em ascensão — acredita Stringhini, que tem carreira na publicidade. — O merchandising não precisa ser aquela coisa exagerada de novela. Em “Subirusdoistiozin”, o menino mostra ao barbeiro uma propaganda da Nike na revista e diz: “Quero meu cabelo igual ao dele.”
Ouro Preto vê por outro ângulo o interesse das empresas:
— Esse novo rap atinge muito mais a classe média do que as pessoas mais pobres.
Mesmo sem patrocínio, Criolo conseguiu manter o nível alto em seu novo clipe, “Freguês da meia-noite” — que custou R$ 15 mil, mas que custaria o triplo se os diretores não tivessem conseguido equipamento emprestado e outros tipos de apoio de amigos e pessoas interessadas em vê-lo pronto. O vídeo emula um filme noir passado em São Paulo (“Tem um pouco de ‘Scarface’ também”, aponta Arthur Rosa França, diretor ao lado de Samuel Malbon).
— O rap brasileiro está em alta, muita coisa acontecendo — afirma Malbon. — Isso traz atenção. Se Criolo e Emicida não estivessem bombando tanto, não teríamos essa leva de clipes.
Formação mais pop
Mesmo em produções mais modestas, o cinema aparece, como nas cenas de perseguição e tiroteio de “Ex-157”, de Afro-X. Ou no sertão à la “Baile perfumado” de “Norte Nordeste me veste”, de RAPadura Xique Chico.
Além da entrada de investimentos e de facilidades como câmeras mais baratas, a formação estética dessa geração de rappers também influencia a produção audiovisual, aponta Rabú:
— É uma galera que tem o pé no rap do passado, mais social, mas consumiu quadrinho, cinema. E hoje em qualquer favela tem TV a cabo. No clipe de “That’s the way” (que custou R$ 40 mil), chamamos atores como Darlan Cunha. A Conecrew tem a participação de Hyldon, como ator, no clipe de “Chama os mulekes”, que é meio Tarantino, meio “Porcos e diamantes” (o vídeo é dirigido por Toddy Ivon, que também fez “Subindo a montanha”, de Pregador Luo, outro com cara de filme). Pelo que acompanho, esse tipo de clipe vai mandar em 2012.
Fonte: Jornal O Globo