A primeira música que lembro ter ouvido em minha vida foi “Na Chuva, Na Rua e Na Fazenda”. Lembro-me bem, nitidamente, apesar dos meus 4 anos de idade. Estava no quintal, minha mãe conversava com Dona Elenita, nossa vizinha de muro. Começou a chuviscar. Minha mãe mandou eu entrar. Estávamos sós em casa. Provavelmente minhas irmãs estavam no colégio e meu pai trabalhando. Ela permaneceu conversando com a vizinha.
Sozinho na cozinha o rádio ligado tocava Hyldon. Foi a primeira vez que percebi uma melodia e letra. Ouvia e entendia as palavras mesmo sem saber o que era “sapê”. Sei que já ouvia músicas antes. Meus pais adoravam, mas aquela vez somente eu e ela, foi que percebi pela primeira vez o que era uma música!Celebrando esta minha memória, as 10 Perguntas desta edição traz o autor e intérprete desta canção maravilhosa que marcou minha vida: Hyldon!
1) Conte para os leitores do Zarayland como foi a história do seu primeiro violão e de seu último relógio:
Meu tio Dermí morava conosco; eu, minha mãe, meu padrasto e seus três filhos; Edinho, Edinha e Elizabeth. Ele estava no exército, mas tinha um trio: Los Panchos, tipo Trio Irakitã, com a formação de vozes / violão/ Maraca/ Tan tan. Eu queria aprender cavaquinho com um senhor que morava perto da minha casa em São Gonçalo, ao lado de Niterói no Estado do Rio de Janeiro. Pedi então para Tio Dermí me ensinar as primeiras lições e ele pegou pesado, apertava meus dedos contra o violão, mas eu segui em frente e breve criei calos. Aprendi a tocar e cantar várias músicas. A primeira foi “Prece ao Vento” do Gilvan, um cara de Natal – Rio Grande do Norte e que fazia parte do Trio Irakitã, meu tio fazia a primeira voz os outros completavam com a segunda e terceira. Era perto do meu aniversário, ganhei um relógio muito bacana de presente dos meus pais, meu tio ficou de olho no meu relógio, ele era muito vaidoso, como ele tinha resolvido voltar para Bahia, me propôs a troca simples do relógio pelo violão. Aceitei na hora. O engraçado é que nunca mais tive relógio de pulso em compensação tive muitos violões.
2) Como foi gravar o Especial Grêmio Recreativo da MTV com esta galera de outra geração, Arnaldo Antunes, Nação Zumbi, Edgard Scandurra, Céu, Karina Buhr, Fernando Catatau e Seu Jorge?
Foi muito bom, a integração dos artistas, da equipe da MTV e da galera do Estúdio. Ficamos um dia todo ensaiando e noutro dia ainda passamos o som, aí sim, gravamos. Só fera! Fizemos tudo de primeira e rolou uma química entre a gente. O Arnaldo virou meu parceiro, algumas semanas depois nos encontramos na casa dele e passamos uma tarde com muito astral onde compusemos uma linda canção. Seu Jorge é um artista que admiro muito musicalmente e tem uma trajetória muito legal, temos uma identificação natural. Rolou clima com a Karina, com a Céu, com o Edgar e os meninos da Nação Zumbi: o Lúcio (Guitarra), Pupillo (Batera) e Dengue (contra-baixo), ainda tinha os irmãos Amabis e o tecladista Dustan Gallas. Mantenho contato com quase todos. Fui nos shows deles aqui no Rio, Arnaldo Antunes, Seu Jorge, Cidadão Instigado, Karina Buhr… inclusive a MTV fez um Vídeo Clipe com a minha música “Estão dizendo por aí” extraída do Programa. E o mais legal de tudo é que a música entrou em meu novo disco como Bonus Track, com lançamento previsto para Outubro.
3) Em seu site oficial, você disponibilizou os álbuns que estão fora de catálogo gratuitamente. Como você vê o comércio de música na era digital?
O importante é o artista ter consciência da evolução do mundo, das novas tecnologias. O conteúdo é o relevante, que é a música, a arte. Independente da mídia, do veículo, ou de como isso vai chegar até as pessoas.
4) Em seu mais recente álbum, o ótimo Soul Brasileiro você reúne um timaço, com Roberto Frejat, Carlinhos Brown, Zeca Baleiro, Chico Buarque em faixas distintas. Porque a escolha que eles apenas toquem e não cantem também?
Eu quis fazer um lance de usar o lado músico deles, que é uma coisa lúdica, quando um músico toca, ele está em comunhão com o universo.
5) Seu primeiro disco de 1975 reúne seus três maiores sucessos “Na Rua, Chuva, Na Fazenda (Casinha de Sapê), “ As Dores do Mundo” e “Na Sombra de uma Árvore” além de clássicos como “Acontecimento” e “Vamos Passear de Bicicleta”. Como foi a gravação deste disco inspiradíssimo?
Foi uma longa gestação. Foram 5 anos de preparação, sendo dois anos como produtor para ter domínio de estúdio e poder concretizar as minhas idéias, já que eu quando compunha, fazia os arranjos e imaginava a canção pronta. A outra parte importante foi contar com a participação dos melhores músicos do Brasil, a começar com o Azymuth e Waldir Arouca que orquestrou quase todo disco, me ajudando a transpor minhas idéias para as partituras. Por último as musas Gioconda, Maria Creuza, Eliane, Gheisa e Eleonora, mulheres lindas e maravilhosas que me inspiraram muito.
6) Hoje o Youtube virou a melhor ferramenta de busca para música da internet. Você usa o Youtube para conhecer novidades musicais?
Só uso! Às vezes alguém me manda um link, as vezes eu busco tipo “músicas africanas”, ou coisas que você não ouve no rádio, ou quando dá saudade de grupos ou cantores antigos como Anita Baker, Ohio Players e como ferramenta pra divulgar meus vídeos. Acho bacana quando algum fã posta um vídeo de show por exemplo, tem um vídeo meu com a Black Rio que o cara filmou no celular, muito tosco e está com 43.000 visitas.
7) Qual a possibilidade de Recife receber um show teu ainda este ano?
Em Outubro sai meu Cd Soul Brasileiro – Edição Extra e pretendo viajar com o show pelo Brasil. Espero tocar aí em Recife, aliás tem uma faixa nova com participação do Pupillo, Dengue e Lúcio Maia da Nação Zumbi.
8) Estive num show do saudoso Luis Carlos Batera com sua participação especial lá no Espaço Cultural Sylvio Monteiro em Nova Iguaçú. Conte sobre sua parceria com este extraordinário músico.
Luís Carlos foi um dos maiores bateristas do samba soul. Tocamos juntos no meu segundo disco e em alguns shows. Sempre fomos amigos. E foi na gravação desse disco “Deus, a Natureza e a Música” que foi criada a Banda Black Rio.
9) Existe uma nova geração que só conhece suas músicas através das regravações de Kid Abelha e Jota Quest. Como você se sente em relação a isso?
Acho ótimo! Muitos desses jovens vão pesquisar na internet e acabam descobrindo outros trabalhos meus. Volta e meia eles aparecem no show com os discos originais em vinil, comprados em sebos ou herdados dos pais e até dos avós e levam no show para eu autografá-los.
10) Além de trabalhar com músicas para teatro, músicas para crianças, produção e composição para outros artistas o que mais você anda aprontando?
Tô preparando 3 discos diferentes. Um de parcerias com Mcs (Mano Brown, Marechal, Delegado, Gil Metralha). Um só de baladas e outro com parceiros com os quais tenho composto: Arnaldo Antunes, Céu, Zeca Baleiro, Michael Sullivan, entre outros. Estou com um desenho animado para crianças pronto pra ser lançado em DVD e a produção do disco de HIP HOP da minha filha, a Yasmin. Fora isso, jogar minhas peladas e espero fazer bastante shows pra divulgar o novo disco.