“A obra fica e a gente pode voltar a ouvir e lembrar tudo que ele trouxe de prazer, de tristeza, de alegria. Todas as emoções que a gente passou ouvindo as canções dele”. Assim, Roberto Frejat resume como se recorda hoje de Luiz Melodia, que se despedia há um ano, vítima de mieloma duplo, câncer raro na medula óssea.
No próximo dia 15, Luiz Melodia será o homenageado da 29ª edição do Prêmio da Música Brasileira, que ganhou como melhor cantor de MPB em 2015, por seu derradeiro álbum “Zerima”.
“Tive o privilégio de sermos parceiros, cantarmos juntos em algumas ocasiões”, celebra Frejat, que compôs com Melodia a faixa-título de “Na calada da noite”, disco de 1990 do Barão Vermelho.
“A voz masculina mais bonita da música brasileira”, segundo o cantor e guitarrista ex-líder do Barão, se manteve quase intacta ao longo de seus 66 anos.
Ela se combinava a um domínio majestoso do palco e uma gama de composições que fluíam melodiosamente do samba ao blues, do rock ao choro, do reggae à balada – naturalmente, como circulava de seu Estácio à “Zona Sul, tudo azul”.
Só nas dez faixas de seu primeiro disco, “Pérola Negra”, de 1973, já havia um pouco de todos esses estilos, além de jazz e forró. Seus 28 minutos traziam arranjos extremamente diversos, como o regional de Canhoto e a flauta de Altamiro Carrilho, em “Estácio, eu e você”; a gaita de Rildo Hora em “Estácio, Holly Estácio” e Hyldon, ainda desconhecido, tocando guitarra em “Pra aquietar”.
Inspirado nessa “referência de diversidade”, Pedro Luís encarou, pela primeira vez, um show relendo o repertório completo de um álbum alheio e, desde o ano passado, apresenta “Pérolas Negras”, com todas as músicas do disco de estreia de Luiz Melodia, além de outras músicas dele. “Escolhi a dedo um álbum que me foi muito influente. Ainda pude ligar e consultar ele, que me deu a benção”, comemora ele, que, em 2008, dividiu o palco com Melodia, Roberta Sá, Hamilton de Holanda e Mart’nália, em Paris.
Com o bandolinista Hamilton e o violonista Yamandu Costa, Pedro Luís vai cantar “Fadas”, de Melodia, durante as homenagens no Prêmio da Música Brasileira, no Theatro Municipal.
“Pérolas Negras” também deu nome ao álbum gravado em 1997 por Leo Gandelman só com músicas de compositores negros brasileiros. Além de emprestar o nome de sua música e disco ao álbum, Melodia também emprestou a voz a uma faixa cantada, “Me deixa em paz”, de Airton Amorim e Monsueto Menezes.
Fiz um clipe, em que eu entrava no metrô em Nova York, ele aqui no Rio e a gente se encontrava no Estácio”, recorda o saxofonista, que conheceu o cantor no final dos anos 1970, por amigos comuns.
Um deles, o colega de instrumento Oberdan Magalhães, havia tocado no segundo disco de Luiz Melodia, “Maravilhas contemporâneas” (1975), em naipes de metais como o de “Congênito”, antecipando o som de sua Banda Black Rio. “Passei a tocar com o Melô em naipes de metais e alguns solos. Sempre fiz o meu melhor com ele e a recíproca foi verdadeira”, enaltece Leo Gandelman.
Geraldo Azevedo tem, em sua cabeceira, uma foto de Luiz Melodia. “Ela foi me foi dada pela Jane [mulher e empresária do cantor], no ano passado, quando participei da homenagem a ele no Circo Voador. Guardo até hoje”, conta o cantor e violonista baiano, que lembra ter recebido outro presente do amigo pela virada das décadas de 1970 e 1980. “O Melodia morou um tempo em Salvador e, quando eu fiz três shows no teatro Vila Velha, ele foi aos três… e estava sempre empolgado, como se estivesse no palco”, recorda.
“Depois, tocamos juntos em um evento na Embaixada do Brasil em Angola e ensaiamos uma parceria. É uma pena que não deu tempo”, lamenta o músico pernambucano de 73 anos e carreira fonográfica quase contemporânea à do amigo.
Da nova geração, o cantor Qinho, 34, ainda teve um bom tempo em parcerias de palco com o ídolo e influenciador. “Todo mundo com vinte e poucos anos e ele tava batendo papo, de igual para igual, sobre música e tudo mais.Um cara que era aquilo tudo quando começava a cantar, com todo o figurino e gestual únicos, e, de perto, tinha uma postura muito generosa”, elogia.
O contato se deu pelo poeta Omar Salomão, amigo de Qinho e filho de Waly Salomão. Foi este último que descobriu Luiz Melodia durante incursões musicais pelo Morro de São Carlos e o apresentou aos três músicos que gravaram suas canções antes dele mesmo, em 1972: Maria Bethânia gravou “Estácio, holly, Estácio”; Gal Costa incluiu “Pérola Negra” em seu clássico “Fa-tal” e Jards Macalé – diretor musical do álbum de Gal – tocou “Farrapo Humano” em seu próprio disco de estreia.
Outras parceiras e influências foram dos guitarristas-escudeiros Perinho Santana (1949-2012) e Renato Piau, 64, a bandas como os Picassos Falsos, que batizaram seu segundo álbum, “Supercarioca”, de 1988, com uma expressão tirada da letra de “Magrelinha” – mais um sucesso do seminal “Pérola Negra”.
Ninguém, no entanto, foi uma intérprete tão constante de Luiz Melodia quanto Zezé Motta, que recorrentemente gravou canções do amigo em seus discos. Só em seu álbum de estreia, de 1978, foram três: “Magrelinha”, “O morro não engana” – parceria dele com Ricardo Augusto – e “Dores de amores”, que ele próprio só regravaria no CD “Relíquias”, em 1995.
“Foi um presente que ele me deu, quando eu decidi que queria gravar. O Guilherme Araújo [empresário de Melodia, Gal e outros cantores nos anos 1970] bancou a ideia e me apresentou a vários compositores, como Gilberto Gil, Rita Lee e o Luiz Melodia, de quem eu passei a gravar sempre e a ser um amigo enorme, um irmão”, lembra Zezé, que participará do Prêmio da Música Brasileira, cantando, justamente, “Dores de amores”, em duo com Sandra de Sá. Outros tributos serão de Fabiana Cozza (“Ébano”) e Xênia França com Aurea Martins (“Juventude Transviada”).
Luiz Melodia deixou a inédita “Felicidade urgente”, parceria com Ricardo Augusto e Paulinho Andrade, gravada ao vivo em 2016 e disponível no YouTube.
Fonte: Jornal do Brasil