Hyldon canta e conta histórias em live: ‘Me arrependo de não ter tido um psicólogo, um contador e um bom advogado’
Hyldon gosta de contar histórias. E tem muitas em seu repertório. Em entrevista por telefone, o cantor e compositor, que fez 70 anos no último dia 17, desfiou várias delas em mais de um hora de conversa, durante a qual falou com nostalgia dos 55 anos de carreira. Parte dessas memórias estarão na live que ele, considerado um dos pais do soul brasileiro, faz hoje, às 21h, em seu canal no YouTube (/canalhyldonoficial) e nos canais do Blue Note (/bluenoterio e /bluenotesp). É o sexto e último encontro on-line da série que o músico batizou de “Minha história”, em que canta alguns de seus sucessos entre um caso e outro que conta ao público.
Mas Hyldon não vive do passado e também tem novidades. No dia em que fez aniversário, a Warner relançou nas plataformas digitais o álbum “Sabor de amor”, de 1981, gravado em show no Teatro Opinião em que o cantor se apresentou com a banda Azymuth. Em julho, outro lançamento: seu segundo álbum, “Deus, a natureza e a música”, de 1976, alçado a status de cult, ganhará nova versão em vinil pelo selo Hare Rare. Com faixas como “Estrada errada”, “Morte doce” e “Adoração”, o disco foi colocado recentemente nas plataformas digitais de música.
Não fosse a pandemia, o artista diz que ainda estaria fazendo shows de seu último trabalho, o disco “SoulSambaRock”, lançado no começo do ano passado, com participações de Rappin’ Hood e do Trio Frito. Além das apresentações, Hyldon teve outra paixão interrompida: o futebol semanal no campo do Politheama, time de Chico Buarque.
— Eu sou zagueiro do time do Chico, jogávamos três vezes por semana antes da pandemia. Mas estou querendo negociar o meu passe — brinca o cantor. — Lancei o “SoulSambaRock”e já tinha fechado shows, estava me planejando, estava tudo andando. Aí veio a pandemia. Resolvi fazer lives para divulgar o disco. Fiz 150 lives. A centésima teve bolo e tudo. E agora essa séria de lives contando minha história… — conta o compositor.
Baiano de Salvador, Hyldon começou sua carreira no Rio dos anos 1960, sob tutela do primo, Pedrinho da Luz, guitarrista da banda The Fevers. Fez parte das bandas de Cassiano e Tim Maia e compôs músicas para artistas como Jerry Adriani, Wanderley Cardoso, Wilson Simonal e Gerson King Combo. Tudo isso antes de lançar seu primeiro disco solo, “Na rua, na chuva, na fazenda”, em 1975, com a meteórica faixa-título e outras canções que fizeram sucesso na época, como “As dores do mundo” e “Acontecimento”.
— “Na rua, na chuva, na fazenda” eu fiz para a Gioconda, uma menina de Juiz de Fora que conheci na Ilha Madre de Deus, na Bahia. Fiquei apaixonado, trocamos correspondências por um tempo. E “As dores do mundo” foi inspirada no livro que o maestro Ian Guest me deu, com o mesmo nome, do filósofo alemão Arthur Schopenhauer, que era um cara meio cético, não acreditava muito no amor, e eu sou o oposto disso. Fiquei puto com o Schopenhauer — conta Hyldon, lembrando dos versos “Eu vou esquecer de tudo / das dores do mundo / não quero saber quem fui mas sim quem sou” .
Depois do sucesso de “Na rua, na chuva, na fazenda”, Hyldon atravessou um período de desentendimentos com a gravadora que, segundo ele, o boicotou por ele não ter dado continuidade à “fórmula” alcançada nos hits anteriores.
— Eu me arrependo de não ter tido um psicólogo, um contador e um bom advogado para negociar meus contratos. Na época, me revoltei porque a gravadora não valorizava meu trabalho. Quando ganhei dinheiro com a música, fiquei sete meses em Nova York. Ouvia “As dores do mundo” nas boates lá, nego dançando agarradinho. Aí que eu me revoltei mesmo, porque nos Estados Unidos me davam moral e na gravadora não. O problema é que, quando você faz sucesso, é muita cobrança. A gravadora quer dinheiro e quer que você faça outro disco igual pra vender mais. E eu gosto de inventar, criar, e isso não agradou ao mainstream — diz o músico.
Entre as muitas histórias que coleciona, Hyldon se diverte ao lembrar da da vez em que conheceu Tim Maia e lhe mostrou uma de suas canções.
—A gente ouvia muitas histórias do Tim Maia, o “Tim Cachorro”, que roubava lanches. O Camarão, irmão do Cassiano, me levou para conhecer o Tim no estúdio em que ele estava gravado “These are the songs”. A Elis estava gravando as bases e ele estava no lado de fora. Fomos para uma salinha. Ele mostrou “Jurema”, com aquele violão porrada, aqueles dedos gordinhos… Quando ele abriu a boca pra cantar, tremeu a parede. Depois mostrei um blues meu, “Gioconda”, que ele escutou de olhos fechados, e isso eu aprendi com ele, ouvir bem. Ele ouviu e disse que adorou a música, mas que, com esse nome, “Gioconda”, não ia vender nada. —lembra o compositor, que manteve o nome da música e posteriormente conseguiu emplacar “Gioconda” no disco “Jerry” (1970), de Jerry Adriani, produzido por Raul Seixas.
Fonte: Rio Show – O Globo