Rafael Melo
Considerado um dos músicos que formam a tríade sagrada da soul music brasileira, juntamente com Tim Maia e Cassiano, Hyldon é considerado um artista versátil. Nascido em Salvador, o baiano não se destaca apenas como cantor, mas como compositor, baixista, guitarrista e excelente produtor. Além disso, o artista consegue transitar com simetria por diversos gêneros, levando ao público sua influência da MPB com doses da Black Music, do Rock e Hip Hop.
Soteropolitano radicado no Rio de Janeiro, Hyldon já promoveu inúmeras parcerias com músicos brasileiros renomados como Carlinhos Brown, Chico Buarque, Zeca Baleiro, Roberto Frejat, Simonal e Mano Brown. Os últimos trabalhos contaram com a participação do rapper Rappin Hood e Arnaldo Antunes. Dentre os sucessos emplacados podemos citar ‘Meu Patuá’ de 1973 e ‘Na Rua, na Chuva, na Fazenda (Casinha de Sapê)’, que ganhou uma notória popularidade nas paradas de sucesso de todo o Brasil. Hyldon lançou recentemente o single ’50 tons de preto’, em homenagem ao Dia da Consciência Negra, celebrado hoje (20). Confira abaixo a entrevista exclusiva com o artista para o Essência:
Como foi o processo criativo para novo single “50 tons de preto” lançado recentemente? O projeto pode ser uma ideia para o lançamento de um próximo álbum?
A música é bem auto descritiva, tipo biografia das coisas que já passei pelo fato de ser mulato. Não gosto de discriminação porque as pessoas tendem a colocar todo mundo no mesmo saco, não é assim. As pessoas são individuais e cada um tem sua história. Mas o preconceito é uma coisa que incomoda, já sofri muito esse tipo de racismo disfarçado que tem no Brasil. Chamei uma galera muito boa para gravar comigo, são três gerações de grandes cantores negros que me acompanham nesse single ‘50 Tons de Preto’. Quanto ao próximo disco, eu estou gravando desde o início do ano passado, então optei por fazer o disco devagar. Já tenho o formato do disco, mas tenho surpresas que não posso contar, se não vai estragar.
É indiscutível a qualidade de produção sonora do último disco “As Coisas Simples da Vida”. Como você têm avaliado a recepção do público com este último trabalho?
“As coisas simples da vida”, pra mim é um dos melhores discos que eu fiz. Tem parcerias maravilhosas, com destaque para o grandioso Luiz Otávio que é deficiente visual e tem uma sensibilidade incrível para a música, pianista. No quesito sonoridade também acredito ter sido um dos melhores discos, contei com uma super banda. Esse ano decide me recolher, preparar um trabalho novo com tempo.
O sucesso “Na Rua, na Chuva, na Fazenda (Casinha de Sapê)” é uma música memorável que não deixa de estar presente nos dias atuais. Você sabe ao certo quantos outros artistas já regravaram essa canção?
Eu acho que depois que um artista faz a música, grava, expõe o trabalho, ela não o pertence mais. Essa música já não é minha, ela tem uma magia que não sei explicar. Já foi regravada em vários gêneros, teve Jorge Aragão, Cristhian e Ralf, Nana Caymmi. Frejat gravou em um disco do Rock in Rio, isso é muito gratificante, teve também Jeito de Moleque, Sambô, além do Kid Abelha que vendeu mais de 500mil discos com o Acústico MTV, mas não sei ao certo a quantidade. Fora as trilhas sonoras como no filme “Cidades de Deus” e algumas novelas. Fico muito feliz porque sou compositor, escolher uma música minha entre milhões de outras por aí é um presente. Porque ela vai chegar em mais pessoas, outro tipo de público. Acredito que por causa das regravações que ela tenha atravessado gerações.
Como artista atuante da música brasileira qual sua avalição da produção artística no país frente a atual conjectura política e social?
O cenário político do Brasil está quebrado. O atual governo não gosta muito de cultura, estou vendo censura no cinema, isso é muito ruim. O que seria da vida sem o teatro, se não tivesse cinema, música, poesia e histórias? Os livros, desenhos; isso também gera emprego, renda e um monte de outras coisas. Produção artística nós temos, o problema é chegar nas pessoas. Falta apoio e espaço. O governo não precisa financiar, mas tem o poder de facilitar os meios. Acho lamentável quando ouço falar mal da Lei Rouanet, é uma questão que precisa ser bem gerida e fiscalizada. Por fim, o que parece mesmo é que as pessoas não querem que os outros aprendam, que se eduquem. Porque se não elas vão começar a tomar consciência e a exigir, quem vai para o poder pensa um tanto assim. Precisamos, em alguns Ministérios, de gestores que sejam mais cultas e tenha ao menos noção do que é a importância da arte para o povo.
Fonte: O Hoje Cultura