RIO – Quando pipoca o anúncio de um novo supergrupo, a lembrança recente – maltratada por empreitadas similares de alguns ícones da música, em especial do rock – causa arrepios. Mas neste caso o assunto e a sonoridade navegam em frequências bem distintas, no que se refere à originalidade. Formado em 2001 pelo baixista Alberto Continentino e o guitarrista Bernardo Bosisio, o Paraphernalia é um combo instrumental que reúne os mais badalados e requisitados músicos da cena atual. Ao lado dos dois primeiros, nomes como Donatinho (teclados), Felipe Pinaud (Flauta), Marlom Sette (trombone), Leandro Joaquim (trompete), Renato Massa (bateria) e Joca Perpignan (percussão) acostumaram-se, nos últimos anos, a carimbar fichas técnicas de trabalhos assinados por gente graúda, como Caetano Veloso, João Donato, Marcos Valle, Orquestra Imperial, entre outros. Se, isolados, os oito integrantes constituem uma nova geração de músicos, compositores, arranjadores e produtores, juntos, formatam o conjunto de feras que sobe ao palco da Pista 3 nesta quarta para apresentar as canções que recheiam seu álbum de estreia – previsto para ser lançado até abril.
– Já temos cinco anos de banda com essa formação e estamos tocando há quase um ano direto, mas até agora pouca gente no meio e na imprensa se deu conta – revela Donatinho. – Tudo começou com uma reunião de amigos. Tocávamos no Cine Buraco, em Laranjeiras, que era um cineclube bem underground, cheio de filmes B… Transformávamos o lugar em pista de dança e lotava só no boca a boca. É o mesmo que acontece agora. Não temos muita divulgação, mas as pessoas comparecem cada vez mais em peso.
O sucesso das apresentações gerou a expectativa quanto ao primeiro álbum do grupo. Gravado em dezembro, o debute conta com 11 faixas inéditas – pinçadas entre mais de 30 composições assinadas pela banda. Produzido por Kassin e masterizado por Ricardo Garcia, o disco é um cruzamento de sonoridades que remetem ao movimento da blaxploitation, calcada no funk e na soul music, mas com sólidas bases na tradição musical afrobrasileira.
– Poderíamos ter produzido o disco, mas o Kassin é um olhar de fora, não é viciado. Alguém que admiramos o trabalho, a sensibilidade e o bom gosto – elogia o tecladista.
Com melodias sinuosas e dinâmicas rítmicas pulsantes colocam o povo para dançar. E mostram que o termo instrumental pode ser muito mais abrangente do que se imagina.
– Não somos um grupo instrumental como esses caras que tocam jazz de uma forma em que tudo parece uma desculpa para solar. Isso é música para músicos, cheia de convenções… É algo que eu, particularmente, detesto. Eu gosto de melodias – diz.
Definido por Donatinho como instrumental pop e dançante, a trupe interpreta um repertório 100% autoral que lembra as trilhas sonoras cinematográficas e das séries de TV policiais criadas entre os anos 60 e 80. Imagens adornadas pelo talento de ícones como Quincy Jones, Curtis Mayfield, entre outros, que serviram para longas como Shaft, Super fly e Coffy. Do jazz ao rock, do experimentalismo aos ritmos africanos e latinos, teclados analógicos, antigos pianos elétricos e guitarras psicodélicas convivem também com levadas brasileiras.
-Todos nós gostamos desses filmes da blaxploitation , dos filmes do Bruce Lee… É a temática negra e de ação com muito funk e soul – define o flautista Felipe Pinaud. – Passeamos pelo samba, pelo afrobeat, sempre com muito groove. Mas não é um som americano, é brasileiro. E isso fica claro a partir das células percussivas.
No show de logo mais, que ao longo dos últimos nove meses contou com convidados ilustres como João Donato, Hyldon e Carlos Dafé, o grupo também passeia por versões para músicas de Jorge Ben Jor, Astor Piazzola, Lipps Inc., Manu Dibango, Bar Kays e Tim Maia. Empolgado com o trabalho, Donatinho explica que o grupo chegou a pensar em participações especiais para o disco, mas, no fim, optaram pelas vozes de seus instrumentos.
– Um disco serve para registrar momentos. Chegamos a pensar em participações, mas é um disco nosso, com uma carga autoral, e decidimos privilegiar o nosso som.