HYLDON FALA DE PREMONIÇÕES SOBRE PANDEMIA, RACISMO E SUA MÚSICA SOBRE O MEDO DE MORRER AOS 27, QUANDO ERA VIZINHO DE TIM MAIA E RAUL SEIXAS | Reverb

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Hyldon lançou poucos discos —”Foram só uns 14 ou 15″, segundo ele — em 40 anos de carreira. Mas sua importância dentro da música brasileira é gigantesca. Um dos representantes da soul music ao lado de Tim Maia e Cassiano, o cantor e compositor lança agora “SoulSambaRock”, disponível nas plataformas de streaming. Este é seu 16º álbum, e mostra o compositor de “Na Rua, na Chuva, na Fazenda “ e “As Dores Do Mundo”, clássicos de 1975, afiadíssimo com os tempos atuais, soando até mesmo premonitório.

“SoulSambaRock” tem dez faixas que foram gravadas de forma separada em um momento em que sequer havia se ouvido falar em coronavírus. O disco, que começou a ser feito no final de 2018, aborda temas que se identificam muito com a situação atual de quarentena, especialmente em “Cada Um Na Sua Casa” e “Boletos”. E ainda com outros acontecimentos que explodiram mais recentemente, como “50 Tons De preto”, que se refere ao racismo, ou ainda “República Das Bananas”, uma crítica política bem-humorada que fala até em queda de presidente. “Até eu fiquei passado, tem muita música que soa premonitória mesmo, parece que fiz pensando nos dias de hoje”, reconhece Hyldon em entrevista ao Reverb.

Capa Samba Rock

“Todos os meus discos, que não são muitos pra 40 anos de carreira, têm uma estética, penso num disco como uma unidade. Eu tentei uma coisa diferente dessa vez, que foi lançar a música seguida de um clipe. Mas achei muito esquisito, não sou cara de single”, explica Hyldon que, na verdade, pode contabilizar alguns anos a mais em sua estrada, pois começou a tocar ainda adolescente, com 13 anos, em bailes em Niterói.

Hyldon conta que decidiu começar um álbum novo quando fez “Ninguém Merece Viver Só”. “Essa eu fiz com o João Viana, no estúdio dele. Aí comecei a mandar pro Arthur de Palla (baixista), pro Luiz Otávio (pianista)… e foi assim o disco todo, gravado à distância”, conta ele, que diz que tudo fluiu muito bem por conta de sua experiência como produtor. “Há uns 20 anos que eu gravo no estúdio do Marcio Pombo, em Teresópolis. Quando eu morava lá era mais fácil, mas depois que voltei para o Rio complicou. No outro disco eu fui umas 50 vezes lá! Aí, quando estive no do João e vi que a gravação ficou muito boa, decidi fazer o disco lá”, explica ele, que diz que, quando apareceu a pandemia, os discos já tinham até ido para a fábrica.

Uma característica que chama atenção no novo trabalho de Hyldon é a ausência de metais nos arranjos, com exceção da faixa-título. “Quando eu estava fazendo o disco, pensei nele sem metais para poder fazer shows mais facilmente — o anterior, ‘As Coisas Simples da Vida’, acabei fazendo poucos shows porque é difícil viajar com tantos músicos – e também dar uma cara diferente em relação aos discos passados. Ele tem várias guitarras, por exemplo e algumas faixas em que eu também toco violão e guitarra”, conta. Sobre “SoulSambaRock”, ele diz que foi o trombonista Marlon Sette quem ofereceu a seção de metais. “Há um tempo eu botei pilha no Marlon Sette para ele fazer um disco e ele me disse que não tinha músicas para isso. Eu disse ‘Ah, então vamos fazer agora!’. Criei o refrão do ‘SoulSambaRock’, fiz os vocais com o Carlos Dafé e ele gravou no ‘Fogo Na Caldeira’ — nome que eu sugeri, porque ele mora em Botafogo e Caldeira é seu outro sobrenome”, brinca Hyldon, que pegou os arranjos originais e colocou letra para gravar essa homenagem à dança do samba rock em seu disco.

As coincidências das letras da algumas faixas com os dias atuais começam na parceria de Hyldon com Arnaldo Antunes em “Cada Um Na Sua Casa”. “Minha afinidade é muito grande com o Arnaldo e, quando comecei a fazer esse disco, não tinha nada de Coronavírus ainda. Eu e minha esposa dormimos em quartos separados porque nossos horários são malucos – eu gosto de trabalhar de madrugada, ela dorme cedo. E aí mandei essa ideia pro Arnaldo, de fazer uma música que fala sobre a independência quando se mora em casas separadas. Acabou que a música tem tudo a ver com os tempos atuais também”, relata sobre a faixa que tem a participação do guitarrista André Neto, que gravou de Nova York. Outras participações no disco são as de Rappin’ Hood, Papatinho e Romero Lubambo.

 

Outro momento relacionado à quarentena — onde, ironicamente, Hyldon se antecipou à onda de memes — é “Boletos” que foi a única faixa gravada com todos os músicos juntos e participação do Trio Frito. Ele conta a história: “Minha filha me levou pra ver uns garotos num pub e eles estavam tocando bem, tocaram uma música do Jimi Hendrix‘Vodoo Child’. Tiramos fotos juntos e acabamos ficando amigos. No dia seguinte, eu estava tocando no meu home estúdio e minha mulher (a artista plástica Zoé Medina) colocou um monte de boletos em cima da mesa. Tive a ideia na hora e viajei, lembrando de um amigo que se separou e a mulher levou os vinis dele. Aí coloquei os que eu gosto, MutantesElis Regina, Hendrix… Eu sabia que eles não tinham experiencia de gravação, mas decidi arriscar”. A música acabou ganhando um videoclipe que está na programação da Music Box Brasil e, em breve, entra no Canal Bis.

Hyldon gosta de dar espaço para novos músicos e acompanha de perto a nova cena musical. “Eu me sinto bem porque, lá atras, me deram oportunidade. O (Marco) Mazolla me chamou pra colocar guitarra no primeiro disco do Luiz Melodia. O Tim Maia me convidou para gravar ‘I Dont Know What To Do With Myself’ em 1971″, cita. Outro jovem que aparece em seu disco é Jean Paixão, uma outra ótima história contada por Hyldon: “Eu estava andando na rua e ouvi a voz dele, que me lembrou muito Tim Maia Jovem. Vinha de uma igreja evangélica. Entrei, participei do culto, me deram um azeite que fiquei até leve… Mas mas sou católico. No final conversei com ele e o convidei a participar dos vocais em ’50 Tons De Preto’. Chegando no estúdio ele ficou maluco ao das de cara com a galera que eu tinha convidado: Gerson King Combo, Dafé, Jorge AiltonJussara, que era do Trio Ternura“.

Sobre a faixa que aborda preconceito racial, Hyldon conta que é algo bem pessoal. “Eu nunca falei sobre minha história sob esse aspecto e queria colocar numa música. Eu sofro preconceito, ainda hoje. Sou uma mistura de português, índios pataxós e negros. Já vi gente segurando bolsa e cordão perto de mim. Esses protestos estavam pra explodir, lá nos Estados Unidos é diferente, aqui no Brasil é estrutural, entranhado, mas isso vai melhorar um dia. Falo sobre a perseguição ao jovem preto de periferia três vezes no disco”, destaca.

Um desses outros momentos é em “A Lenda do Clube dos 27”, ambientada em comunidades onde um jovem fala de seu medo de morrer para a namorada. Hyldon conta que ele mesmo tinha uma “cisma” de morrer com a icônica idade com que morreram Hendrix, Brian Jones, Jim Morrison, Janis Joplin, Kurt Cobain, Amy Winehouse e outros. “Eu, com com 27, pra falar a verdade, estava muito louco. Tinha voltado dos Estados Unidos e usava drogas pesadas. Dá pra imaginar, sendo vizinho de Raul Seixas e parceiro de Tim que era grilado de morrer com 33 anos! Mas uma coisa que sempre procurei nas drogas foi ter experiências espirituais. Eu li alguns livros antes de usar LSD, ‘A Erva Do Diabo’ (Carlos Castaneda) e alguns de Aldous Huxley. Só que, com droga pesada, você sente só no início, depois é o maior pesadelo e para largar é dificil”, orienta Hyldon, que faz questão de dizer que nunca teve pensamentos suicidas “Sou um cara cheio de esperança, gosto de trabalhar. Mas na época fiquei cismado porque vários artistas que tinham morrido com essa idade”, esclarece.

Por volta dessa época “perigosa”, Hyldon enfrentou conflitos com gravadoras e acabou ficando com fala de difícil, geralmente atribuída aos artistas que não se dobravam às exigências das empresas. “Era coisa de maluco brigar com gravadora! A gente pedia pra sair e nem tinha advogado. Eu, Tim, a gente foi muito mal assessorado, não tivemos uma estrutura como a Tropicália, o Clube da Esquina, pessoal do Ceará. O Fagner saiu da CBS na mesma época em que eu. Eu fiz um disco muito bonito lá, o ‘Nossa História de Amor’ (1977), com participações de Dominguinhos, Ed Lincoln, Maurício Einhorn, Zé Bodega, Márcio Montarroyos. A música estava começando a estourar, aí o divulgador veio falar comigo que todo mundo gostou e que as rádios estavam tocando, mas que simplesmente havia recebido uma ordem do presidente da companhia para parar de divulgar o disco. Ele era produtor do Roberto Carlos e não queria ninguém competindo com ele. O que eu poderia fazer? Aí você sai e fica com fama porque desfaz o negócio mal. As gravadoras aproveitavam pra fazer a caveira da gente, nos chamavam de ‘esquadrilha da fumaça’, conta.

“SoulSambaRock” tem distribuição da plataforma americana de distribuição digital de música ONErpm e sua versão física não será, pelo menos a princípio, comercializada. Eu mande fabricar para fazer algumas promoções e dar nos meus shows”, conta Hyldon.

O cantor tem feito lives e participado de programas on line nessa quarentena de sua casa no Recreio, onde mora com Zoé e as filhas Yas e Halina. “O que está fazendo falta pra mim nessa coisa é de vez em quando dar umas saídas para jantar, assistir shows… E minhas peladas! Jogo três vezes por semana no Politheama, lá no campo do Chico Buarque, que é meu camarada desde os tempos da Philips/Polydor. O resto estou fazendo em casa, e muito satisfeito que ver que meu público tem aumentado na Internet, estou interagindo mais com as pessoas”, conta, dizendo que tinha vários shows programados, inclusive de estreia do disco, que foram cancelados. “Espero que apareça umas lives remuneradas, afinal, tenho que pagar os boletos!”, brinca, dando o recado.

Fonte: Reverb