Na rua, na chuva e na fazenda… a casinha de sapê era em Itaipava (Gazeta Popular)

Era 1971 e, mesmo que a chuva teimasse em cair, aquele lugarzinho calmo, praiano, estava abarrotado de gente devido ao carnaval. O clima era de festa, mas a saudade de sua musa o impedia de aproveitar a folia ao lado dos amigos. Pronto. Estava montado o cenário para que o cantor baiano Hyldon, hoje radicado no Rio de Janeiro, compusesse sua música mais famosa e que, em quase quatro décadas, embalaria o romance de muitos casais: “Na rua, na chuva, na fazenda”, e a inesquecível frase “ou numa casinha de sapê”.

O que pouca gente aparentemente sabe é que aquele “lugarzinho” citado ali no parágrafo acima fica aqui, no Espírito Santo. O local é Itaipava, no município de Itapemirim, no litoral sul capixaba. “Eu e alguns amigos alugamos uma casa bem na rua principal, onde tinha um coreto coberto de sapê. Itaipava não tinha nada, tinha o coreto”, conta o cantor e compositor.

A musa dele, Gioconda, morava em Juiz de Fora, em Minas Gerais, e foi passar o carnaval com os pais em uma fazenda. “Meus amigos ficavam encarnando em mim, que só queria tocar violão. E tinha muita garota vinda de Minas Gerais.”

Fomos lá conferir essa história, ver se os moradores locais conheciam a música, se sabiam a sua origem e se a casinha de sapê ainda estava lá. Como era de se esperar, a canção foi reconhecida pela maioria dos entrevistados. Já a inspiração dela… foi surpresa.

Procura

As ruas vazias de um domingo já entregavam que não seria das tarefas mais fáceis encontrar a tal casinha. O bairro não era mais a aldeia descrita por Hyldon, embora estivesse longe de ser caracterizado como um centro urbano.

As casas de sapê, que eram predominantes, segundo moradores mais antigos, deram lugar às de tijolo e concreto, que dividem espaços com prédios baixos. Algumas ruas são asfaltadas outras não.

A primeira parada foi em um bar, onde encontramos o motorista de caminhão de boi Eliseu Vantil, 61 anos. Morador há 22 anos do local, ele não demorou muito para reconhecer a música. Não citou Hyldon como seu autor; disse tê-la escutado na voz de uma dupla sertaneja. “Já toquei muita essa música no meu violão. Na época fez um sucesso danado. Não sabia que tinha começado aqui.”

Em nossa busca pela casinha de sapê, encontramos o pescador Djalma Pedra Viana, 63 anos, nascido em Itaipava. Ele contou que há mais de 20 anos não existe este tipo de construção na região.

Ao ouvir a canção, reconheceu-a, assim como o jovem comerciante Filipi Lopes Garcia, 23 anos, que se lembrou da música, mas por conta da regravação feita pelo Kid Abelha, na década de 90. Ambos desconheciam sua origem.

Curiosidades sobre o artista

O trecho “Na rua…” é em referência à urbanidade do Rio de Janeiro, local onde já morava quando escreveu a música.

O primeiro dinheiro que recebeu de direitos autorais, Hyldon usou para comprar um carro e ir até a casa de Gioconda, em Minas Gerais.

Entre os casais (hoje ex) que tiveram como tema a música de Hyldon está Marieta Severo e Chico Buarque, segundo o compositor.

Hyldon recebeu oferta de um produtor americano para samplear o “tchutchurutchu” que introduz a música.

Ao lado de Toni Tornado, o compositor participou do Festival de Verão de Guarapari, evento musical que aconteceu em 1971.

Na ocasião, Tornado pulou do palco sobre a plateia e acabou ferindo uma mulher. “A gente teve que sair na ambulância, junto com a moça. O público gritava ?Pega a banda!?.”

A música “Na rua, na chuva, na fazenda” foi composta em 1971, mas só foi gravada em um compacto em 1973.

Cantor teve pelo menos 6 musas

E a Gioconda, será que Hyldon voltou a vê-la? A última vez que falou com ela foi por conta de uma matéria sobre “Na rua, na chuva, na fazenda” para um jornal de Brasília. A musa entrou em contato com a redação do jornal, que passou o telefone do cantor. Hoje ela estaria casada e com filhos.

E por que o romance terminou? “Fui me apaixonando por outras pessoas. Sou um apaixonado desde os sete anos.” Para a paixão seguinte à Gioconda, uma modelo chamada Eliane, compôs “Na sombra de uma árvore”, que, assim como “Na rua…” entrou em seu primeiro LP, lançado em 1975.

Musa, ele teve muitas. Tanto que, para o novo CD/DVD, “Hyldon Ao Vivo”, ele conseguiu reunir canções que homenagearam, ao longo de sua carreira, pelo menos seis mulheres. Mas hoje garante que só tem uma, sua esposa Zoer.

Sobre a importância de “Na rua…” em sua carreira, Hyldon diz: “É minha ?Garota de Ipanema?; é o meu ?Carinhoso?, do Pixinguinha. Eu gosto de todas as músicas do mesmo jeito, mas tenho consciência de que essa música está me trazendo bastante coisa.”

Casinhas de sapê nem existem mais em Itapemirim

Filho do primeiro morador de Itaipava, José Fernandes da Rocha é hoje o residente mais antigo do local. Com 89 anos, o ex-combatente da 2ª Grande Guerra lembra que o local era tomado por casas de estuque, sapê e variantes, embora não se recorde da que tinha um coreto, na avenida principal do bairro, a que foi descrita por Hyldon. Por ser evangélico, desconhecia a música. Apesar disso, sua mulher, a dona de casa Nadir de Freita Rocha, 83 anos, recordou a música mas não imaginava que tudo havia começado ali, no lugar onde foi morar aos 11 anos de idade e criou seus nove filhos, cresceram os 19 netos e nasceram os 21 bisnetos.

Fonte: Gazeta Popular (Por Katilane Chagas)