Novo álbum traz marcas de todos os universos de Arnaldo Antunes (O Globo – Leonardo Lichote)

RIO – Arnaldo Antunes abre seu novo álbum com uma canção sobre o fim. Na melodia de João Donato, canta “Um cigarro dura menos do que uma estrela/O cigarro apaga/A estrela apaga/O fogo não tem fim”. E encerra com uma sobre o começo, ou o recomeço: “Acalanto pra acordar” (parceria com Marcia Xavier, Lenora de Barros e Mag), que faz o que anuncia, um canto sereno para trazer alguém do estado do sono para o da vigília (“Venha/Que está tudo bem/Pode acordar/Pode voltar/Pra cá”). Entre uma ponta e outra, mil referências à finitude: das ideias (“Sou volúvel”); da vida (“Sentido”); da adolescência (“Mamma”); dos recursos, do espaço e da humanidade no planeta (“Muito muito pouco”, “Querem mandar”, “Dizem”); da saúde, do gás, da grana (“Vá trabalhar”); do amor (“Morro, amor”).

— É verdade, muitas canções tocam no tema da finitude, não tinha me dado conta. São questões recorrentes no meu trabalho. Mas não foi intencional — explica Arnaldo, que tem show no Circo Voador marcado para 26 de outubro.

Nome inicial era “Bipolar”

O álbum, portanto, não é sobre o fim. A princípio, aliás, ele não é sobre nenhum tema. O disco se chama “Disco” (Rosa Celeste/Radar/Natura Musical) e tem como conceito o fato de ser um disco.

— “Iê iê iê” (de 2009, seu último de estúdio) era mais amarrado, todo com a mesma banda. Esse é mais variado, tem muitas participações (como Daniel Jobim, Davi Moraes, Felipe Cordeiro, Céu, Hyldon, Mônica Salmaso, Pedro Sá e Charles Gavin), os arranjos de sopros e cordas de Ruriá Duprat….

A ideia original de Arnaldo era fazer um disco chamado “Bipolar”, que, pensado na lógica do vinil, teria um lado mais rock e outro mais suave. Ele sairia em 2014, mas férias de alta produtividade acabaram mudando os planos:

— Compus muito nas férias (inclusive com os “tribalistas” Marisa Monte e Dadi, que assinam com Arnaldo três do álbum). Me entusiasmei a gravar. E vieram canções mais pop, um terceiro lado do “Bipolar”, um lado que se tornou o eixo do “Disco”. O nome veio a princípio dessa dinâmica na qual o álbum foi feito (o que incluiu o lançamento de faixas soltas, antecipadas). Depois, pensei nele como um questionamento da forma fragm

 

entada como se ouve música hoje. É maravilhoso por um lado, mas se perde também. Eu sonhava, garoto, em ter umaloja de discos, hoje todo mundo tem. Mas é perigoso, porque para a música ser transformadora você não pode ficar só na superfície.

Arnaldo assina todas as canções, só ou com parceiros. Em “Ela é tarja preta”, Arnaldo visita a nova cena do Pará compondo com Felipe Cordeiro, Luê e Manoel Cordeiro. Hyldon e Céu são seus parceiros em “Trato”. “Morro, amor” é a primeira que faz com Caetano Veloso. Marcia Xavier divide com ele, além de “Acalanto pra acordar”, “Azul vazio”. “Mamma” foi feita em inglês por Gilberto Gil em Londres, e agora Arnaldo a verte para o português. “Sentido” é com Nando Reis.

Algumas músicas foram buscadas no baú, como “Morro, amor” (feita para um filme de Guel Arraes, mas que acabou não sendo usada) e “Sentido” (composta sob o impacto da morte de Marcelo Fromer, dos Titãs). A canção mais antiga do CD, aliás, remonta ao início da banda:

— “Vá trabalhar” é de antes do primeiro disco dos Titãs. Achei que ela conversava com uma coisa que o disco acabou tendo, de algumas canções com um olhar social mais contundente.

Titãs, Tribalistas, músicas construtivistas ou rasgadamente populares… Um panorama sobre a obra de Arnaldo? Sim, mas sem revisão ou balanço.

— Tem marcas de cada universo meu no disco. São coisas que fazem parte não do meu passado, mas do meu presente.