Tim Maia não era maluco, não rasgava dinheiro, diz Hyldon, lenda do black brasileiro

Matéria: UOL

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Autor de Na Rua, na Chuva, na Fazenda, disco que completa 40 anos em 2015, Hyldon relê o trabalho no Projeto Álbum, do Sesc Belenzinho, em São Paulo nesta sexta (9) e sábado. Lenda da música negra brasileira, o músico, que gravou clássicos do repertório de Tim Maia, não reconheceu o Síndico na cinebiografia que virou polêmica essa semana ao ser exibida pela TV Globo, entrecortada por vídeos e depoimentos.

“O Tim não era maluco, ele não rasgava dinheiro, ele era um cara compulsivo. Abusou de droga? Abusou, mas ele abusou de arte também”, argumenta o soulman. “O Tim não era aquele cara violento, que pegava em arma, batia em mulher. O Tim era um cara que ajudava todo mundo. Tem dois orfanatos que ele ajudava. Era um cara bom de coração. Todo ser humano tem suas qualidade e seus defeitos, mas no filme acho que realçaram muito isso, o lado ruim. E o Tim não foi assim igual ao filme que foi ficando maluco e ficou maluco. Ele tinha as fases que ele ficava doidão, mas tinha fase que ele produzia”, defende.

Na conversa, Hyldon falou do tempo em que se tornou um dos pilares da trilogia black brasileira ao lado, justamente, de Tim e de Cassiano, o segundo, autor de Primavera e outro hitmaker black. “Eu conheci o Tim, ele tinha gravado o primeiro disco, a gente ficou logo amigo e ele me chamou pra tocar com ele. Já no segundo disco dele, já tinha uma música minha e depois. Eu gravei em quase todos os discos do Tim, gravando com ele nos anos 70 e fui músico dele também, tocando contrabaixo. Eu tenho 11 anos de diferença do Tim e do Cassiano, então eu era tipo garoto prodígio”, recorda.

Ele relembra também que o Síndico era uma espécie de professor de soul e funk para a rapaziada mais nova. “O Tim, cara, ele era uma pessoa que valorizava muito o artista, o músico. O Tim era uma escola para todos os músicos que tocavam com ele, a concepção do som. Ele morou nos Estados Unidos, então ele trouxe informações de lá, ele teve grupo lá no Harlem. Ele apresentou um disco que foi fundamental, Diana Ross & The Supremes Join The Temptations. Porque naquele tempo, as informações demoravam pra chegar. Um disco saía nos Estados Unidos, demorava um ano pra chegar aqui no Brasil, nem vinha às vezes”, diz.

O músico afirma também que a proximidade com Cassiano ainda hoje rende equívocos. “Existe uma coisa aí que falam que não é verdade. Eu nunca fui dos Diagonais, tem gente que bota foto dos Diagonais e acha que eu estou no meio. Eu gravei um disco com eles e passamos três meses viajando em uma excursão pra Bahia. A gente era muito amigo, muito ligado, mas eu nunca fiz parte dos Diagonais”, afirma.

Nos shows em São Paulo, o músico apresenta-se com Felipe Marques (bateria), Arthur de Palla (baixo), Guinho Tavares (guitarra), Léo de Freitas (teclado), Marcio Pombo (teclado), Diogo Gomes (trompete e flugelhorn) e Rodrigo Revelles (saxofone e flauta). No repertório, pedradas do primeiro e mais bem sucedido disco do hitmaker carioca: As Dores do Mundo, Na Sombra de uma Árvore e a música que dá título ao disco, Na Rua, Na Chuva, Na Fazenda. O músico também tocará clássicos da carreira, como Velho Camarada (parceria com Tim Maia e Fábio), Táxi para Bahia e Estão Dizendo por Aí.

Quatro décadas depois, o próprio Hyldon dá a pista de como fez um disco de tanto sucesso e a explicação é a mais simples possível. “Eu tive várias musas, todas elas gatíssimas, umas cinco, seis diferente. Foram as fontes de inspiração do disco”, bate a letra o malandro. “Essas músicas são todas autobiográficas, entendeu. Eu sempre fiz assim. Acho que todos os caminhos são válidos pra você compor, mas comigo funciona muito mais se for uma coisa real. Se você puder, cantar, sentir, interpretar aquela história, poder falar de uma história que você viveu, é mais fácil”, completa.

O próprio músico não recusa a ideia de que atingiu o ápice de sua criação logo na estreia. “Uma vez um fã falou, mas, porra, você gastou tudo no primeiro disco”, brinca, antes de completar: “Eu acho que isso não aconteceu só comigo, mas com vários artistas que no primeiro disco, você se prepara mais tempo, você tem aquele tempo, eu demorei uns cinco anos preparando esse disco. Então, assim, coisa que depois que você tá na estrada, com pressão de gravadora, você perde um pouco isso. Te dou várias exemplos, tipo o primeiro disco do Tim, um disco bem emblemático sobre isso é da Tracy Chapman, que fez várias músicas que foram hit naquele disco”, compara.

O soulman, no entanto, nunca parou e tem dez discos de estúdio gravados, além de compactos, discos ao vivo e um DVD, o disco mais recente, de parcerias, saiu no ano passado e agora ele já pensa no próximo, com voz e violão e também registrado em DVD. Hyldon assiste a nova geração reverenciá-lo, da MPB indie ao rap. “A própria Céu, que tem composto comigo, o pessoal do hip hop, o Mano Brown, Dexter, são pessoas que passaram a adolescência ouvindo a gente. Eu tenho feito muita coisa de hip hop, até participação em clipe da Cone Crew, de Chama os Moleque eu fiz, fiz muito refrão, fiz refrão com Sandrão do RZO, gravamos juntos, fizemos clipe. Eu acho que do mesmo jeito que eu fui influenciado pelo que eu ouvia, as pessoas também são influenciadas”, constata.

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Em relação à diferença entre o início da sua carreira e o momento atual, ele revela como que se dava a assimilação da cultura black e a interpretação particular feita por sua turma. “Como o Tim conhecia tudo de soul music, ele passava os grupos pra gente, grupos até que não tocava aqui, tipo Ohio Players, The Commodores, Isaac Hayes, artistas que não eram da mídia, como hoje em dia tem muito cara que eu gosto da música negra que não toca aqui. Vou te falar, por exemplo, eu adoro Maxwell, tenho vários discos dele, o D´Angelo também. Tem outro cara que canta I Believe I Can Fly, o R. Kelly, que eu gosto muito, John Legend. Tem muitos cantores que eu acompanho, eu nunca perdi o contato com o que está se fazendo lá hoje em dia”, afirma.

Ele também lembra até hoje de uma tarde na casa do baterista do trio maravilha Azymuth. “Naquela época, a gente tinha mais tempo para absorver as coisas. Hoje em dia é a cultura do copia e cola, do sampler. Na época, não tinha esses recursos, a gente ouvia bastante, assimilava aquele coisa. Eu me lembro que pra ouvir um compacto simples do Stevie Wonder, que tinha Yesterme, Yesteryou, Testerday, a gente foi lá na casa do Mamão, do Azymuth, eu e o Cassiano e passamos a tarde toda ouvindo a música que era o lado B do compacto, I’d Be A Fool Right Now, que tinha uma linha de baixo. Aí você pegava o disco e ficava um ano ouvindo, sabe? Pegava um disco do Marvin Gaye ficava dissecando as coisas. Hoje em dia, tu ouve duas mil músicas em meia hora, entendeu? A gente absorveu muito isso. E uma coisa que me pegou muito, é a parada do tambor, da batida, do suingue e a parte vocal que eu peguei com Cassiano”, diz.

Para Hyldon, foram os elementos de música brasileira que deram uma cor única à black music dele, de Tim, Cassiano e de outros. “Os elementos brasileiros que a gente inclui na música. O Cassiano fez muita canção, Coleção, A Lua e Eu, ele é um melodista maravilhoso. E o Tim e eu, a gente misturou muito, o Tim gravou samba misturado com samba-soul”, aponta.

“Eu agora estou revendo as músicas do primeiro disco, aqui escrevendo fazendo os arranjos ensaiando, tem uma música que é meio forró que se chama Meu Patuá. Até tem um fato engraçado, que eu achava que era essa música que ia ser o sucesso do meu primeiro compacto. E o lado B seria na Rua, na Chuva, na Fazenda. Quando o disco que estava pra sair, as pessoas do estúdio, da gravadora, todo mundo pedia pra Na Chuva, na Rua, na Fazenda ser o lado A e eu dizia, não, não, não, a música que vai fazer sucesso é Meu Patuá. E, porra, aconteceu o contrário mesmo”, lembra.

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Mesmo se mantendo na ativa, com disposição física que atribui à vida regrada e ao futebol jogado com o parça Chico Buarque, Hyldon não nega que os tempos já foram melhores. “Nos anos 70 era melhor pra música porque só aparecia quem era bom. Hoje você pode ter um computador, fazer uma música e gravar um CD em casa. A gente antes de chegar pra gravar um disco, fazia baile, ia tocar com fulano…”

Ele, no entanto, pretende manter o idealismo e integridade até a eternidade. “Eu já falei pra minha família, se liberar minha música pra supermercado aí, eu volto e puxo o pé de todo mundo, cumpadi”, brinca. Hyldon sabe que a vida acaba uma hora, mas que suas músicas irão ficar, enquanto houver chuvas, ruas e fazendas, quem sabe depois.

SERVIÇO
HYLDON – PROJETO ÁLBUM
Dias 9 e 10. Sexta e sábado, às 21h
Teatro (392 lugares – acesso para pessoas com deficiência)
Duração: 90 minutos
Não recomendado para menores de 12 anos.
Ingressos à venda pelo Portal Sesc SP (www.sescsp.org.br), a partir de 16/12/2014 às 15h30, e nas unidades, a partir de 17/12/2014, às 17h30:
R$ 30,00 (inteira); R$ 15,00 (aposentado, pessoa com mais de 60 anos, pessoa com deficiência, estudante e servidor da escola pública com comprovante); R$ 9,00 (trabalhador do comércio de bens, serviços e turismo credenciado no Sesc e dependentes [Credencial Plena]).
Sesc Belenzinho
Endereço: Rua Padre Adelino, 1000
Belenzinho – São Paulo (SP)
Telefone: (11) 2076-9700
www.sescsp.org.br/belenzinho

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