Alguns artistas da música vivem para o show, só estão felizes em cima de um palco. Outros, no entanto, se sentem à vontade no estúdio, longe do público, experimentando sons até chegar ao resultado satisfatório.
Rato de estúdio, Tony Bizarro foi um desses arquitetos de som. Por isso, não teve o grande reconhecimento do público que poderia ter alcançado se construísse um legado maior do que um único álbum solo, o impecável “Nesse Inverno”, de 1973. Mas foi adorado por uma turma de estrondoso sucesso na música popular, notadamente nos anos 1970. Gente como Tim Maia, Sidney Magal, Cassiano e Odair José, para ficar apenas entre os mais famosos.
O cantor, produtor e compositor paulistano Luiz Antônio Bizarro morreu nesta segunda, aos 73 anos. Ele vivia em uma casa de repouso em São Paulo e sofria de Alzheimer. Tony Bizarro é louvado como um dos nomes fortes do soul brasileiro. Programas de rádio e TV prestam tributo tocando seu maior hit, “Estou Livre”, realmente um exemplar bem acabado da adaptação brasileira da música negra americana.
Mas será um erro restringir Tony Bizarro à caixa rotulada de Brazilian soul. Seus horizontes musicais eram muito mais amplos. Nem era preciso recorrer à sua vasta discografia como produtor para perceber isso. Uma breve conversa com ele já permitia ao interlocutor descobrir um agitador musical de vários estilos.
Desde adolescente fazendo apresentações nas rádios, caminho natural de um aspirante a cantor nos anos 1960, Tony Bizarro se virava além da música. Trabalhou em filmes de Oscarito e foi figurante na TV Excelsior, ainda menor de idade.
Ao microfone, Bizarro ia da música romântica ao iê-iê-Iê, passando pela música italiana aprendida na infância no bairro da Mooca. Mas nada o impactou mais do que o som de Marvin Gaye, Otis Redding e outros astros emergentes da gravadora americana Motown. Quando começou a trabalhar com Frankye Arduini, em 1968, a dupla pegou carona no despertar de um soul brasileiro que nascia com Tim Maia, Hyldon e Cassiano.
O duo Tony & Frankye ganhou um pouco de atenção com o single “Adeus, Amigo Vagabundo”, lançado em 1970, um tributo a Brian Jones, ex-integrante dos Rolling Stones encontrado morto em sua piscina no ano anterior. Apesar do mote roqueiro, é uma balada soul poderosa, na qual o vozeirão de Bizarro tem espaço para impressionar.
Bizarro se tornou produtor de discos na Polydor, divisão popular da gravadora Polygram. No ritmo um tanto “selvagem” da indústria fonográfica da época, várias faixas que produziu para astros populares não receberam o devido crédito de seu trabalho. Mas ele se consolidou como um ótimo guia dentro do estúdio, e os artistas retribuíam com convites a Bizarro, que cantou em muitas canções nos álbuns que produziu.
A dupla Tony & Frankye gravou um único álbum em 1971, com produção do amigo Raul Seixas, em mais uma evidência do lado rock de Bizarro. Levando como título o nome da dupla, não causou barulho. E realmente não dava motivos para mais alvoroço. É um disco competente, de soul para tocar nas rádios, mas não tocou. Anos depois, por um bom tempo receberia preços astronômicos em sebos, com um pequeno culto criado em torno do cantor. Exemplares do vinil foram vendidos a mais de R$ 500.
O reconhecimento da crítica veio com o primeiro álbum solo, “Nesse Inverno”, de 1977. Tim Maia já tinha status de medalhão, Hyldon e Cassiano colecionavam alguns hits, e Tony Bizarro ganhou força como mais um dessa turma balançada. O disco permanece como sua grande obra.
Bizarro era um cantor excepcional, sabia todos os caminhos do pop, com boas letras, e reuniu nesse disco um time absurdo de grandes nomes da produção musical da época, entre eles Paulo Moura, Lincoln Olivetti, Robson Jorge, Waltel Blanco e Rosa Maria. Tudo em nome da amizade.
Músicas como “Não Pode”, “Vai com Deus”e “Não Vai Mudar” são cartilhas perfeitas de soul cantado em português. No entanto, a carreira de intérprete não decolou. Entre as noitadas com Tim Maia e amigos, festas com LSD e muita bebedeira, Tony Bizarro encontrava sua calma dentro do estúdio, discutindo arranjos, melhorando a música dos outros. “Não batalhei para ser cantor, não era o que eu queria”, repetiu em várias entrevistas, apesar do maior reconhecimento que teve com o single “Estou Livre”, em 1983.
Aos poucos seu ritmo de trabalho foi diminuindo. Em 2008, fez a última incursão fonográfica com vários remixes de “Estou Livre”, seu grande sucesso. Dessa forma, “Nesse Inverno” permanece como seu disco impecável, uma aula de quem trafegava por muitos gêneros musicais, mas sempre seguindo seu coração de soulman brasileiro.
Fonte: Folha de São Paulo