Um apaixonado pelo suingue (O Tempo)

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Entre o romantismo e o suingue, Hyldon, 65, retorna ao mercado fonográfico com “As Coisas Simples da Vida”. Apesar de o disco resgatar a relação do compositor com as gravadoras, o baiano segue irredutível. Nesta entrevista, ele falou sobre a cena soul music, seu conceito de banda com metais, o apreço por jazz, rap e funk, e sobre o desejo de ser conhecido mais por sua obra do que pela própria figura.
 
 
Em “As Coisas Simples da Vida”, você compôs todas as canções, diferente do antecessor, “Romances Urbanos”, em que reuniu vários parceiros. Seu processo criativo e de composição varia muito?
 
Sem dúvida. No disco anterior, eu fiz várias músicas com a cara dos meus parceiros, como Jorge Vercilo, Céu, Arnaldo Antunes. A única música do disco que é minha praia, com pegada soul, é aquela chamada “Foi no Baile Black”. É minha, do Mano Brown e do Dexter. Mas nesse disco novo eu queria fazer uma coisa só de baladas – era a ideia inicial. Aí, comecei a fazer, mas estava ficando muito chato. Eu tenho observado pessoas da minha idade, 60 a 70 anos, essas pessoas também gostam de dançar, de música animada. Então, desisti de fazer só música lenta e romântica. Eu ainda tenho a concepção do disco como um trabalho, como um filme, uma coisa que faz parte do todo, com um conceito. Até pensei, talvez esse seja o último disco, porque os formatos estão mudando rápido, não sei se consigo produzir assim. Então, no decorrer das gravações, mudei o foco para groove e balada. Era a única coisa que me norteava para fazer o disco: o groove que sempre mexeu comigo e o balanço das baladas pelas quais sempre fui apaixonado.
 
 
Você ficou muito conhecido pelo romantismo e, justamente pelas baladas, talvez mais até do que pelo suingue. Esse disco tem um pouco a ver com essa imagem sua?
 
Fiz sucesso com balada. Mas eu também sou puro suingue. Toquei guitarra em todos os discos do Tim Maia, sempre fui respeitado pela minha guitarra base suingada. Fui convidado por Elis Regina e Gal Gosta pelo meu suingue. Mas as pessoas acham que eu sou o maior baladeiro. Por isso esse disco novo tem tanto groove. É uma espécie de resposta. Pô, olha o meu groove, gente!
 
 
Você sempre teve uma relação de contraponto às gravadoras. Mas, depois de vários anos, voltou a assinar com uma – agora, a Deck Disc. Por quê?
 
No ano passado eu fiz um disco de voz e violão com todas as músicas do “Na Rua, Na Chuva, Na Fazenda” (1975, Polydor), celebrando os 40 anos do disco – coloquei para download gratuito no meu site. Era a única maneira que eu tinha de disponibilizar essas músicas, já que os direitos são todos daUniversal Music e eu não poderia usar as gravações originais, remixar, essas coisas. É um daqueles contratos que te amarram a vida toda. Neste ano tive a boa notícia de que a Polysom, parceria da Deck, gostaria de relançar em vinil o “Na Rua, Na Chuva, Na Fazenda”. Eles me procuraram. Eu estava fazendo o meu disco inédito há um ano, e disse que topava relançar o LP do “Na Rua”, contanto que eles me dessem suporte na confecção do “As Coisas Simples da Vida”. E aconteceu. Mas entreguei o disco prontinho para evitar qualquer interferência externa de executivos.
 
 
Em algum momento da sua carreira, o sucesso falou alto ao ponto de influenciar sua criação, como quem seria obrigado a compor um segundo “Na Rua, Na Chuva, Na Fazenda”?
 
Sempre evitei ser figura midiática, embora nunca tenha negado entrevista para qualquer veículo. Fato é que as pessoas conhecem mais minha música do que a minha figura. Prefiro assim. Não preciso manter o sucesso a todo custo. Porque, para isso, você tem que fazer as mesmas coisas repetidas vezes, você tem, alguma hora, que se vender para o sistema. Meu segundo disco (“Deus, a Natureza e a Música”, 1976) foi totalmente suicida, tinha até rock n’ roll, não tinha nada a ver com o primeiro. Eu acho que até exagerei na dose, mas eu estava muito revoltado com a cobrança para fazer um segundo “Na Rua, Na Chuva”. Eu posso sobreviver e sobrevivi com dignidade sem me vender. Nunca passei fome e é isso o que importa.
 
 
Em todos os seus trabalhos, de alguma forma, a soul music esteve presente. Como você enxerga a atual cena do gênero no Brasil?
 
Eu acho que globalizou muito. Tem muitas coisas que eu acompanho lá fora, como John Legend, Frank Ocean, uns caras que nem são conhecidos no Brasil, como R. Kelly. Engraçado é que antigamente, quando você via uma banda de soul music tocando, eram só os negros. Mas acabou aquele negócio de negritude que tinha nos anos 70. Hoje em dia você tem misturado branco com negro nas bandas. A música vai mudando, os gêneros vão sendo incorporados. Uma pena é que acabaram os grupos. As bandas que tinham antigamente, como a banda do Tim Maia (Vitória Régia) e a Black Rio, por exemplo. Ou nomes como Kool and the Gang, Ohio Players, Comodores, Average White Band, eram bandas com metais, bandas de verdade – hoje em dia todo mundo é banda. Minha formação atual segue tendo trombone, sax, trompete, dois teclados, guitarras. É a formação de banda anos 70. Só que a gente não toca mais como se fosse nos anos 70, porque a música evolui na harmonia, no jeito de tocar, nas influências estéticas.
 
 
Uma peculiaridade da sua banda é a união dos músicos e o tempo que estão juntos. Como isso impacta seu som?
 
É, isso é muito importante. É legal demais o show, a gente consegue reproduzir os arranjos do disco muito bem, com brechas agradáveis para todo mundo tocar, não tem partitura, o suingue come solto, os solos são livres. E boa parte disso é o reflexo do tempo que os músicos estão comigo, cinco, dez anos de convívio. São meninos ótimos, o Marcio no teclado, Artur no contrabaixo e o Binho na guitarra, eles cantam muito também e, ultimamente, têm participado mais ainda das músicas, com ótimas vocalizações. Engraçado esse ponto porque, há três anos, o Arnaldo Antunes fez uma participação em um show meu no Sesc Vila Mariana. Acabou o show e deixamos o palco abraçados.Quando olhamos para trás, o pessoal da banda estava se abraçando, ainda no palco. E o Arnaldo disse que nunca tinha visto uma união assim. É por causa desse clima.
 
 
Você ouve de tudo? O que tem escutado ultimamente?
 
Musicalmente eu circulo em todas as áreas. A galera do rock n’ roll se dá comigo, o pessoal do samba, o pessoal do soul. Aliás, eu gosto de tudo. Adoro música clássica, agora eu estou ouvindo muito jazz.
 
 
O funk carioca e o rap tem sido apontados como os gêneros mais politizados, mas sem bandeiras partidárias. Você, que transita por várias vertentes nas parcerias de composição, concorda?
 
Eu gosto muito de rap. Vou a eventos de rap, tenho parcerias com Marechal, Sandro, do RZO, Dexter, Mano Brown. Fui ao Capão Redondo fazer sarau, toquei no presídio de Guarulhos. O rap tem uma levada e uma parada de poesia, rítmica, que me lembra muito meu primeiro instrumento. Quando eu tinha três anos, eu tocava tambor no jardim da infância com os meninos maiores. E rap é isso, ritmo e poesia. E, socialmente, o rap tem um papel importante para despertar os jovens para a leitura, a poesia. Do funk, eu gosto muito da Anitta e vejo um preconceito enorme contra o gênero. Para mim, tem os funks que são para dançar mesmo, igual axé, não importa tanto a letra. No Brasil, o funk tem a nítida influência afro, é uma dança de periferia que rompeu as barreiras da periferia. E que tem se sofisticado. Antigamente, nos primórdios do funk no Brasil, não tinha nem harmonia. Hoje em dia o funk tem baixo, guitarra, ficou bem mais produzido e musical.
 
Por: Lucas Simões
Fonte: http://www.otempo.com.br/divers%C3%A3o/magazine/um-apaixonado-pelo-suingue-1.1395754