Em seu novo disco, Romances Urbanos, o soulman Hyldon reaparece em grande forma e antenado
Na ativa há quase 40 anos, o ícone do soul brasileiro Hyldon diz estar “ligado em tudo o que está rolando” no atual momento da música nacional. “O artista tem de ser atemporal. Não pense que eu não sei usar internet, pesquisar e me informar”, disse, em conversa com a Gazeta do Povo.
Essa conexão com sons e linguagens reflete em sua vida pessoal: “Tenho saído mais, ido a shows. Minha filha [a rapper MC Yasmin] me leva nas rodas de rima”. E também na carreira, como comprova uma audição de seu novo disco, Romances Urbanos, primeiro álbum de inéditas desde 2009.
O soulman se mostra renovado no ofício que domina como poucos: baladas cheias de suingue e petardos dançantes que custam a sair da cabeça depois de ouvidos pela primeira vez. Porém, o disco passeia à vontade por outros estilos e dialoga com novos nomes da cena musical brasileira. O resultado é o melhor trabalho do artista em muitos anos.
Hyldon explica que o “disco tem um roteiro”: como num filme ou num romance, as doze músicas vão contando a trajetória de um cara que chega à cidade e se envolve em vários romances, enquanto frequenta festas de subúrbio, festinhas de playboy e bailes black”, resume.
Nas faixas, Hyldon divide as composições com parceiros de origem e geração diversas: Zeca Baleiro, Mano Brown, Arnaldo Antunes, Léo Cavalcanti, Jorge Vercillo e Céu.
“Parceria é bom por dois motivos: primeiro para ter uma pessoa para cobrar. E porque cada música traz uma situação diferente – uma coisa é fazer o texto sozinho; em dupla, ou trio, é outra viagem”, explica. Nesse processo, o músico destaca a parceria cada vez mais recorrente com Arnaldo Antunes (“Tempo, Tempinho, Tempão”). “É sobre como o tempo passa em compassos diferentes nas cidades. Sua relatividade”, filosofa.
Hyldon conta que adora fazer música na casa do ex-Titãs. “Lá tem um sabiá muito gordo que canta pra caramba. Ele me explicou que os pássaros são obesos porque comem a ração do cachorro”, diverte-se. “Quando a gente termina uma música, comemoramos, nos abraçamos como quem faz um gol. Precisava filmar isso um dia desses”, sugere, acrescentando: “O processo de criação é muito louco. Você começa do nada, com aquelas sete notas, e já com um universo de zilhões de músicas. É um grande exercício de originalidade e criatividade.”
Outro destaque do álbum é “Foi no Baile Black”, composta ao lado dos rappers Dexter e Mano Brown. A música (com cara de hit) vai estar também no disco solo que o líder dos Racionais MC´s deve lançar neste ano. “Nós [artistas da música negra brasileira da década de 1970] somos referência para essa geração. Eles nos escutaram e samplearam muito”, orgulha-se.
A música foi feita após um longo dia, que incluiu shows de Hyldon em uma penitenciária de Guarulhos, com Dexter, e no Capão Redondo, reduto de Brown. Após a empreitada, o trio começou a falar dos bailes de música black que rolavam no Rio e em São Paulo nos anos 1970 e 80. “A melodia do refrão é a própria musicalidade que existe na maneira do Mano Brown falar.”
Trajetória
Hyldon nasceu em Salvador, Bahia, em 1951. Mora no Rio de Janeiro desde criança. Naquela época, trocou um relógio recebido de aniversário por um violão: nunca mais usou relógio, nem largou o instrumento.
Começou a carreira em 1965 tocando guitarra em um disco dos Fevers. Em 1969, com os irmãos Cassiano e Camarão, formou o grupo Os Diagonais. Trabalhou como guitarrista de Tony Tornado, Frank Landi e de Wilson Simonal, e foi produtor de discos de sucesso.
Em 1974, lançou o primeiro disco, um compacto com a canção “Na Rua, na Chuva, na Fazenda – Casinha de Sapê”, seu maior sucesso, muito difundida pelo lendário DJ Big Boy. No ano seguinte, sai o primeiro disco, com sucessos como “As Dores do Mundo”.
Depois do sucesso inicial, passa uma temporada nos EUA. Desde que voltou ao Brasil, já lançou 14 álbuns. Na lista de parceiros estão Tim Maia, Caetano Veloso, Paulo Coelho, Paulo Sérgio Valle e os mais recentes Arnaldo Antunes, Zeca Baleiro, Mano Brown, Dexter, entre muitos outros.
Opinião
Nostálgico e atual, álbum celebra o soul
Das três pessoas da Santíssima Trindade da música negra brasileira, Tim Maia se chama saudade há mais de quinze anos. Cassiano se retirou do mercado e vive recluso no interior fluminense. Restou apenas a guitarra de Hyldon que, com o lançamento de seu novo álbum, mostra que segue relevante e atual.
Tanto é que, nos últimos anos, o soulman tem colaborado constantemente com nomes importantes da nova e da novíssima geração, como Nação Zumbi, Curumin, Céu e Mano Brown.
Neste Romances Urbanos, velhos e novos fãs podem encontrar suas marcas registradas: a elegância cool das baladas e o groove das músicas para dançar que colocam o ouvinte nos bailes da zona norte carioca.
Destaques para a faixa de abertura “No Fim da Estrada Tem uma Cidade”, a contagiante “Foi no Baile Black” e a bela homenagem a Tim Maia, “Festa do Síndico”, em que ex-integrantes da banda Vitória Régia recriam o inconfundível (e muito imitado) naipe de metais que marcou o som do parceiro.
por Sandro Moser